“O BARCO” POÉTICO DE CARIRIY ZARPA PARA O MERCADO.

Por Celso Sabadin.

Imutável e eterno, o mar traz mudanças e questiona o próprio tempo. É dele, mar, que emerge uma mulher eroticamente misteriosa e mexe com a vida da pequena comunidade de pescadores. E quem primeiro a vê é um cego. Em meio aos habitantes do lugarejo, quem mais se perturba com a presença da inesperada visitante é um homem batizado simplesmente de “A”. Que é irmão de B, de C, de D…  A mãe de A se incomoda com a mulher. O pai de A nada fala. Saiu um dia para pescar – no mar – e voltou mudo. Todos precisam do mar para sobreviver, da mesma maneira que todos têm medo dele. Do mar. Para se aprofundar no mar, é preciso um barco. Que existe, mas está quebrado. Há a opção de consertá-lo e se aventurar, ou simplesmente de deixar o mar – e a vida – passar. À deriva.

É com esta linha narrativa repleta de simbolismos – inspirada em conto do escritor Carlos Emílio Corrêa Lima – que Petrus Cariry constrói seu longa “O Barco”, que estreia nos cinemas, após uma vitoriosa carreira no circuito dos festivais. Como já é marca registrada em sua obra, Petrus opta por uma estética cinematográfica recheada de visão poética, deliciosamente cheia de intrigantes vazios e de silêncios ensurdecedores. E rigorosamente abençoada por uma fotografia nunca menos que maravilhosa. Ventos, águas, ondas e areias compõem um hipnotizante universo sonoro onde as narrações em off – se suprimidas – significariam um ganho ainda maior à obra.

O mar emerge como uma metáfora do mundo que provê, aprisiona,  assusta, desafia e liberta. Enquanto o barco se apresenta num só tempo como solução e problema para os desafios propostos pelas águas. Que tanto trazem os peixes que matam a fome como afogam.

Em meio a tantas dicotomias, “O Barco” – o filme – navega pelo imaginário de um cinema brasileiro autoral que ainda busca onde aportar. Entre intermináveis tormentas e calmarias.