O BELÍSSIMO “CONFIDENCIAL” DÁ OUTRA VERSÃO SOBRE TRUMAN CAPOTE

Esta é uma das belezas da Arte em geral e do Cinema em particular: contar duas vezes a mesma história, com estilos, enfoques e pontos de vista diferentes. O espectador mais distraído, que tomar contato apenas com as sinopses de ”Confidencial” e “Capote”, pode até pensar que se trata do mesmo filme. Afinal, ambos falam da mesma trama: a saga emocional pela qual passa o escritor Truman Capote quando decide pesquisar a fundo um assassinato ocorrido no interior do país e, a partir disso, escrever seu livro “A Sangue Frio”. Porém, as semelhanças param aí.
Enquanto o premiado “Capote” é um produto mais voltado à milionária indústria cinematográfica, o independente “Confidencial” é mais visceral e faz menos concessões. Financeiramente, os filmes são opostos: o sucesso “Capote” custou em torno de US$ 7 milhões e rendeu mais que o quádruplo deste valor somente nas bilheterias americanas. O fracassado “Confidencial” custou estimados US$ 13 milhões e não faturou nem 10% deste valor. E fechando o círculo de comparações, ainda que contando a mesma história, “Capote” é baseado no livro Geraldo Clarke, enquanto “Confidencial” se apoiou no livro de George Plimpton. Ah, em tempo: cada um a seu modo, ambos os filmes são ótimos!
“Confidencial” aposta num Truman Capote mais espalhafatoso e muito menos contido que aquele protagonizado por Phillip Seymour Hoffmann. Aqui, o papel é do inglês Toby Jones, presente quase sempre em papéis coadjuvantes, mas que dá vida, humor e muita sensibilidade ao personagem Truman Capote. Freqüentador dos mais sofisticados ambientes novaiorquinos, Capote certo dia tem sua atenção atraída por uma pequena notícia de jornal relatando um chocante assassinato acontecido no Kansas. Fascinado pela história, ele convence sua amiga e também escritora Nelle Harper Lee (Sandra Bullock) a acompanhá-lo até aquele “fim de mundo”, para fazer uma pesquisa que renderia uma reportagem na revista New Yorker. É lá que tudo muda na vida do famoso escritor. De alguma maneira, Capote vai encontrar no coração empoeirado da América, na figura de um desumano criminoso, o espelho perfeito das próprias frustrações, traumas e contradições pelas quais passou durante toda a vida.
O filme é belíssimo. Seu estilo narrativo muda e amadurece na medida em que seu personagem principal também se transforma. Num primeiro momento, eles – filme e protagonista – são deliciosamente fúteis e divertidos. Quase toda a ação se passa em mesas de requintados bares e restaurantes, com rápidos e inteligentes diálogos entrecortados que nos dão vontade de comprar o roteiro só para lê-los novamente. Porém, quanto mais Capote mergulha no tétrico universo do crime que pesquisa, mais ele se vê obrigado a se confrontar com seus demônios internos que julgava adormecidos. E o próprio filme assume um tom mais denso e dramático. A entrada em cena de Daniel Craig, o novo James Bond, já na segunda metade da trama, é de uma fortíssima carga dramática, e faz o filme crescer ainda mais: o ator parece ter saído diretamente de um dos grandes dramas de prisão que Hollywood produzia nos anos 40.
O elenco de apoio também chama a atenção, com nomes como Sigourney Weaver, Gwyneth Paltrow, Peter Bogdanovich, Alan Cumming, Jeff Daniels, Isabella Rossellini, e Hope Davis.
Tudo isso faz de “Confidencial” um emocionante trabalho sobre, entre outras, as relações entre o autor e sua obra. Mas há muitas outras leituras a serem descobertas neste fascinante filme a ser descoberto por um público maior.
———————————————-
Confidencial (Infamous). EUA, 2006. Direção de Douglas McGrath. Com Toby Jones, Sigourney Weaver, Sandra Bullock, Daniel Craig, Gwyneth Paltrow, Peter Bogdanovich, Alan Cumming, Jeff Daniels, Isabella Rossellini, Lee Pace.