O BELO “O ABISMO PRATEADO” É UM MERGULHO NA DOR DO ABANDONO.

Certamente você já ouviu o seguinte comentário: “É um filme onde não acontece nada”. Viciado que está pela estética hollywoodiana, o público em geral tende a considerar como “filme que não acontece nada” aquele onde não há grandes perseguições de carro, tiroteios, efeitos especiais, nem a famosa jornada do herói.

Neste sentido, “O Abismo Prateado” é um filme onde não acontece “nada”. Nada além de uma tocante história de abandono, desespero e recuperação. Nada além do que a jornada noite adentro de uma mulher que vê seu chão desaparecer, sem mais nem porquê. A questão é que tudo isso é mostrado pelo diretor Karim Aïnouz com profunda contenção. O choro é embargado, a emoção é presa pelo nó da garganta, e toda a narrativa se apoia quase que totalmente sobre duas pilastras: a belíssima fotografia e a tocante interpretação de Alessandra Negrini. São duas, mas são fortíssimas estas pilastras.

Ela vive o papel de uma dentista. Uma prosaica dentista igual a milhões de outras, sem superpoderes. Uma simples e mortal dentista que sem o menor aviso prévio é abandonada por um marido que nem foi comprar cigarros para desaparecer. Ele simplesmente some. E, crueldade das crueldades, deixa recado na caixa postal do celular dizendo que “fui”.
Não há explicações, nem choros convulsivos, nem rompantes de melodrama: há apenas um enorme vazio. Se é que podemos colocar a palavra “apenas” antes de “enorme vazio”. Karim filmou o vazio. Filmou a dor envolta em brocas de dentistas e escavadeiras da construção civil: buracos. É sobre isto que trata o filme: de um enorme vazio, o tal abismo do título, que eu não sei dizer porque é prateado, mas também não importa.
É belo e tocante. Se alguém lhe disser que “O Abismo Prateado” é um filme que não acontece nada, não acredite.
O filme foi selecionado para a Quinzaine des Réalisateurs do Festival de Cannes de 2011.