O CAPITALISMO ESFOLANDO VIDAS EM “O HOMEM QUE VENDEU SUA PELE”.

Por Celso Sabadin.

Nestes tempos de capitalismo cada vez mais ensandecido, não há nada que não possa ser vendido e/ou comprado. Nem a própria pele. A partir deste pressuposto – que me parece tristemente verdadeiro – a roteirista e diretora tunisiana radicada em Paris, Kaouther Ben Hania, desenvolve a história de Sam Ali (Yahya Mahayni, melhor ator em Veneza), refugiado sírio na Bélgica que aceita vender as suas costas para o prestigiado artista plástico Godefroi (Koen De Bouw). A ideia é usar a pele de Ali como tela para uma tatuagem que reproduzirá – ironicamente – um visto de entrada no país.

“Vivemos numa sociedade onde o trânsito de mercadorias é mais livre que o trânsito de pessoas”, diz Godefroi, num dos momentos mais inspirados do filme.

Ao objetificar a pele de Ali – e, consequentemente sua presença compulsória em exposições – e anexá-la forçosamente às especulações do mercado artístico, o engenhoso roteiro de Hania tece cuidadosamente uma série de situações tão surreais e irracionais como o próprio capitalismo que as inspirou. Questionando os caminhos e limites da exploração comercial, ao mesmo tempo em que lança mão de um fino sarcasmo para construir seu mosaico crítico, “O Homem que Vendeu Sua Alma” constrói com habilidade uma narrativa que discute a hipocrisia do  contemporâneo, sem ceder à  superficialidade de armadilhas panfletárias.

A ideia do filme começou a germinar na mente da diretora  em 2012, quando ela visitou uma retrospectiva dedicada ao artista belga Wim Delvoye, no Louvre. “Lá eu vi a obra em que o artista tatuou as costas de Tim Steiner, um homem sentado em uma cadeira, sem camisa, exibindo o design de Delvoye. A partir desse momento, esta imagem singular e transgressora não me deixou.” Pouco a pouco, outros elementos da experiência de vida da diretora acrescentaram situações e enriqueceram essa imagem. “Uma vez que todos esses elementos vieram juntos, a história parecia pronta e me compeliu a escrevê-la. Um dia em 2014, quando eu estava prestes a editar a enésima versão do roteiro do meu filme anterior, “Beauty e os Cães”, descobri-me escrevendo sem parar durante cinco dias a história desse filme ”, conta a diretora.

Coproduzido por Tunísia, França, Bélgica, Alemanha e Turquia, “O Homem que Vendeu sua Pele” foi indicado ao Oscar de filme internacional, representando a Turquia.

A estreia nos cinemas brasileiros é nesta quinta, 07/10.