“O CASO RICHARD JEWELL”: BANHO DE CINEMA DE CLINT EASTWOOD.

Por Celso Sabadin.

O ano cinematográfico de 2020 começa em grande estilo com a estreia, logo em 2 de janeiro, de mais uma obra de grande qualidade dirigida por Clint Eastwood: “O Caso Richard Jewell”. Batendo os olhos na sinopse, não pareceria, à primeira vista, que o argumento pudesse render um grande filme: a partir do caso real de um atentado a bomba ocorrido nas Olimpíadas de Atlanta, em 1986, o roteirista Billy Ray conta a história do Richard Jewell do título (Paul Walter Hauser), o guarda de segurança que ganha fama e notoriedade inesperadas com a tragédia. Melhor não falar mais nada sobre a trama.

 

A questão aqui não é exatamente a densidade da história desenvolvida no roteiro, mas sim a precisão da direção de Clint, repleta de nuances, elegante, sutil, sem pressa, enfim, de inúmeras qualidades que o cinemão comercial fez questão de deixar de lado nas últimas décadas ao tentar aproximar a linguagem do cinema com a do videogame.

Clint Eastwood é um diretor que sabe transformar pequenas tramas em grande cinema. Sabe como poucos, atualmente, contar cinematograficamente uma boa história. Desenvolve seus personagens com pequenos gestos, extrai total veracidade de seus atores, compõe seus enquadramentos apenas com o que é necessário, domina o tempo de cada plano, percebe como ninguém quando e por quanto tempo usar a trilha sonora, sabe que Deus e o Diabo da narrativa moram, juntos, nos pequenos detalhes do universo do cinema.

 

O roteiro de “O Caso Richard Jewell”, por exemplo (cuidado que lá vem spoiler), tem todos aqueles elementos que poderiam fazer desandar a maionese audiovisual: crises de choro (mais de uma), jornalista fria e calculista que faz de tudo por um furo, incompetência das autoridades que preferem rapidez à justiça na hora de encontrar um criminoso, advogado mal sucedido que se vê diante de um caso espetacular, atentado a bomba, vingancinha contra a jornalista fria e calculista que faz de tudo por um furo,  personagem de sotaque russo que faz piadinha, relação fofa entre mãe e filho com pai ausente e – cuidado – redenção final! Tudo isso nas mãos de um diretor um pouquinho menos competente poderia transformar “O Caso Richard Jewell” em mais um daqueles insuportáveis dramas patrióticos estadunidenses que fazem questão de provar que a tal “América” tem, sim, seus problemas, mas que no fim você pode confiar que tudo será resolvido para o Bem.

 

Já nas mãos de Clint, tudo isso vira um filmaço. Ao invés de ser redundante e verbalizar que a ação do FBI é uma total inversão de valores, ele prefere fazer seus protagonistas saírem em silêncio da sala de interrogatório, deixando atrás de si, estampado na porta de vidro, o logotipo da instituição dominando totalmente os limites da tela, porém, invertido. Para mostrar como toda a desastrada ação do poder deixará marcas eternas naquela pequena família, basta um rápido close de uma tampa de tuperware rabiscada pelos agentes com uma caneta de tinta indelével.  Puro cinema.

 

Pode-se (e deve-se) discutir as preferências políticas de Clint Eastwood. Mas é inegável que, de cinema, o sujeito entende muito. E parece cada vez melhor, do alto de seus 90 anos a serem completados no próximo mês de maio.