O CINEMA SEM PRESSA DE LAV DIAS, DIAS E DIAS…  

Por Celso Sabadin.

O cineasta Lav Dias colocou as Filipinas no mapa da cinematografia mundial com seus filmes de longuíssima duração. Navegando na contramão da atual estética montanha-russa e da comunicação fragmentada, Dias conquistou os júris dos mais diversos festivais internacionais com sua câmera estática, belíssimos planos, e filmes de 3, 4, 5 ou mais horas de projeção.

Seu mais recente trabalho, “A Mulher que se Foi”, chega agora ao circuito brasileiro, e não decepcionará os fãs do diretor.

Inspirada por um conto de 1872 de Leo Tolstoy, e ambientada em 1997, a história fala de Horacia, uma professora há 30 anos encarcerada injustamente numa colônia penal. Quando finalmente a verdade se estabelece, Horacia é libertada e sai em busca da reconstrução de seu cotidiano. O reencontro com os filhos e a vingança contra quem a prendeu fazem parte de seu novo projeto de vida.

Não foi por acaso que Dias ambientou seu filme em 1997. Na época, as Filipinas sofriam uma forte onda de sequestros e assaltos, uma violência que, em suas mais diversas formas de manifestação, serve de pano de fundo para todo o filme. Simbolicamente, a notícia da morte de Madre Teresa de Calcutá (falecida também em 97), que a protagonista ouve pelo rádio em determinada cena, ajuda a dimensionar a sensação de desalento daquele momento. É neste cenário que Horacia surge como uma fascinante protagonista dividida, uma mulher capaz tanto de acolher com carinho maternal os socialmente excluídos que cruzam pelo seu caminho, como também, num repente, transformar-se numa ameaça armada contra quem a trair.

Esta trajetória de doçura e horror é mostrada pela câmera sempre segura de Dias (que além de diretor também é roteirista, montador, diretor de fotografia e coprodutor do filme), que brinda o público com enquadramentos preciosos, um aproveitamento absurdo da profundidade de campo, e uma belíssima fotografia em preto e branco capaz de transmitir a profunda solidão das intermináveis noites vividas por Horacia em seu plano de vingança. Tudo regado a um mais do que bem vindo silêncio que emoldura os planos quase sempre estáticos e brilhantes.

Vencedor do prêmio máximo de melhor filme no Festival de Veneza, “A Mulher que se Foi” estreia nesta quinta, 4 de maio, e comparativamente aos outros filme do cineasta, pode ser considerado até como um “curta-metragem”, em seus 226 minutos de duração.

Uma curiosidade final: o tal ”balut”, que um vendedor ambulante anuncia insistentemente durante o filme, é uma estranha iguaria tailandesa, uma espécie de ovo de pata, cozido, mas com o embrião do patinho dentro. Depois reclamam que o pais é violento…