“O COMPROMISSO DE HASSAN”:  O ISLÃ TRATADO COM RESPEITO.

Por Celso Sabadin.

É interessante notar como os filmes que abordam a cultura árabe são totalmente diferentes entre si, dependendo dos países que os produzem. Quando se trata de alguma produção ou coprodução realizada com um país europeu, quase sempre o árabe é retratado como um fanático religioso e/ou um terroristas e/ou um refugiado inferior que deve ser tutorado por um europeu “white savior”. É o neocolonialismo empenhado em estigmatizar conceitos preconceituosos para vender ao mundo – via audiovisual – sua eternamente alegada e mentirosa superioridade branca.

Por outro lado, quando um filme é realizado por um país – pelo menos parcialmente – sintonizado com a cultura islâmica, geralmente temos esta questão tratada com os devidos equilíbrio e respeito. É o caso, por exemplo, de “O Compromisso de Hassan”, produzido pela Turquia. E só pela Turquia, sem aquelas tóxicas coproduções com franceses e belgas.

Hassan (Umut Karadag, ótimo) vive do que planta e colhe em sua propriedade rural. Para manter a produtividade, porém, ele recorre a agrotóxicos de confiabilidade discutível. Ao mesmo tempo, negocia – também com ética discutível – para que a companhia elétrica local não instale uma torre de alta tensão em suas terras, conforme previsto nos planos da empresa. Daí a se aproveitar do vizinho em dificuldades financeiras para se dar bem em um novo negócio é apenas um passo. O comportamento pouco louvável de Hassan é posto em cheque pela sua esposa, Emine (Filiz Bozok, também ótima), quando o casal é finalmente sorteado para empreender a tão sonhada peregrinação a Meca, esperada há anos.

As atitudes religiosas que o protagonista deve manter para ser digno desta peregrinação não condizem com seus atos recentes, o que lhe abre uma abissal crise de consciência.

Lembranças de infância, simbolizadas por uma imponente árvore solitária dominando a paisagem dourada, permeiam os pensamentos deste homem que se reconstrói nesta difícil busca do equilíbrio entre suas crenças espirituais e a crueldade da sobrevivência no mundo capitalista contemporâneo. Impossível não lhe dar razão quando ele se indigna com o fato de seus tomates serem vetados para o consumo europeu por serem adubados por um produto… europeu. O árabe é levado a consumir o que vem da Europa, mas não pode lucrar com isso no próprio mercado europeu.

Exibido na seção Um Certo Olhar do Festival de Cannes e no Festival de Karlovy Vary, “O Compromisso de Hassan” ” está na programação da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em cartaz até 3 de novembro. Saiba mais em https://45.mostra.org. Direção e roteiro de Semih Kaplanoğlu.

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