“O CRIME NÃO COMPENSA”, ANTECIPANDO “JUVENTUDE TRANSVIADA”.

Por Celso Sabadin.

Em 1949, após breves participações não creditadas em dois longas, e uma atuação coadjuvante em “Ver-te-ei Outra Vez”, o jovem Derek Harris consegue finalmente um papel de grande destaque. Aos 23 anos, ele é selecionado para viver o adolescente rebelde Nick Romano no drama policial “O Crime não Compensa”, aproveitando a oportunidade recusada pelo também então novato Marlon Brando.

“O Crime Não Compensa” é o primeiro filme da Santana Pictures, estúdio fundado por ninguém menos que Humphrey Bogart, o grande astro do cinema estadunidense dos anos 1940. Harris não apenas será praticamente o ator principal do longa, como também contracenará diretamente com Bogart em vários momentos, e com farto material dramático a ser trabalhado.

O rapaz assume então o pseudônimo artístico de John Derek, e agarra a oportunidade com unhas e dentes. Nick Romano, seu personagem, é um jovem cooptado pelo mundo do crime após passar por várias injustiças sociais. Bogart interpreta o advogado que tentará provar que Nick, embora seja realmente um pequeno delinquente, não é culpado pelo assassinato que tentam lhe imputar.

O ótimo roteiro é baseado no primeiro livro do jornalista e escritor de Chicago Willard Motley, “Knock at any Door”, publicado em 1947. O mesmo autor publicaria, em 1958, “Let No Man Write My Epitaph”, transformado no filme “Algemas Partidas”, dois anos depois. Muito antes da criação da expressão “lugar de fala”, Motley já era duramente criticado por ser negro e escrever sobre personagens brancos.

Questões raciais a parte, “O Crime Não Compensa” chama a atenção pelo seu pioneirismo em dar protagonismo quase total a um personagem jovem-rebelde, tendência que o cinema norte-americano, acompanhando o mercado, só desenvolveria a partir dos anos 1950.

O público adolescente só começa a ser percebido como consumidor após a Segunda Guerra, quando explodiriam ondas consumistas especialmente direcionadas a este – literalmente – jovem mercado. Neste sentido, ao enfocar as dúvidas, dramas e inseguranças de um rapaz recém-saído da adolescência, “O Crime Não Compensa” torna-se uma espécie de percursor de uma linha narrativa que se firmaria na dramaturgia cinematográfica num futuro bem próximo.

Não por acaso, ele foi dirigido por um icônico Nicholas Ray em início de carreira, o mesmo cineasta que em 1955 realizaria aquele que é considerado o filme seminal do cinema direcionado para as novas gerações: “Juventude Transviada”, com James Dean.

Além disso, segundo o crítico cinematográfico norte-americano Thom Andersen, “O Crime Não Compensa” é um típico representante do que ele classificava de “film gris” (filme cinza), ou seja, o filme noir com mensagem de esquerda. O “esquerdismo” alegado por Andersen nada mais é que a visão humanista do roteiro, que atribui o aumento da criminalidade às injustiças sociais.

Depois de “O Crime Não Compensa”, John Derek deslanchou como ator numa carreira de cerca de 40 filmes, até os anos 1960, quando se tornou diretor. Nos anos 1980, ficou mais famoso como “o marido de Bo Derek”, a bela atriz do grande sucesso de 1979, “Mulher Nota Dez”.

A Santana produziria mais seis longas até 1953, e Bogart faleceria em janeiro de 57.