O DELICIOSO “AMARCORD” BRASILEIRO DE “O ÚLTIMO EPISÓDIO”.

Por Celso Sabadin.

Imagine um tipo de “Amarcord” adolescente passado em Minas Gerais. Essa pode ser uma definição de “O Último Episódio”, longa que estreia em cinemas brasileiros nesta quinta, 09/10.

Antes de mais nada, é preciso contextualizar: “O Último Episódio” é uma produção da Filmes de Plástico, coletivo cinematográfico nascido na periferia da cidade mineira de Contagem, que já há uns bons anos vem encantando o cinema brasileiro com filmes independentes repletos de frescor, inventividade, representatividade das classes menos favorecidas e um delicioso sotaque mineiro. Geralmente são filmes que não passam no Cinemark, nem na Globo, o que só confirma suas qualidades. Provavelmente o longa da Filmes de Plástico que o público mais conhece é o “Marte Um”, mas há muito outros, todos ótimos.

Feita a contextualização, vamos lá. “O Último Episódio” visita as lembranças de seu roteirista e diretor Murilo Martins, na época de sua pré-adolescência. Os temas são universais: a primeira paixão, a expectativa do primeiro beijo, as amizades inseparáveis, as inseguranças, as relações familiares, enfim, o maravilhoso e extenuante processo de amadurecimento, e as dificuldades de fazer essa tão importante transição.

O próprio diretor admite a influência do seriado estadunidense “Anos Incríveis” em sua criação. Mas tal universalidade assume proporções ainda mais atrativas para o público brasileiro na medidas em que ganha irresistíveis contornos poéticos em sua transposição para a periferia de Contagem.

Admito que, num primeiro momento, torci o nariz para “O Último Episódio”. A opção de contar a história através do ponto de vista do protagonista, já adulto, rememorando suas antigas lembranças, fez com que a linha narrativa do longa utilizasse aquele terrível recurso tão desgastado pelo cinema brasileiro e tão odiado por este que vos escreve: a narração em off.

Mas, respirei fundo, me acomodei na poltrona e decidi dar uma segunda a chance à obra. Funcionou. Aos poucos, fui me deixando seduzir pela verdade dos personagens, pelo encantador estilo minimalista e realista de intepretação de todo o elenco (uma das marcas registradas da Filme de Plástico), pela caprichada direção de arte repleta de “ovos de Páscoa” dos anos 1980/90, e pela saborosa singeleza da trama.

No final, me pego totalmente abduzido pelo filme. Até porque as intervenções em off diminuíram, o que ajudou bastante.

Destaque especial para todo o ótimo elenco formado por Matheus Sampaio (no papel principal de Erik), Daniel Victor (Cassinho), Tatiana Costa (Cristiane/Cristão), Camila Morena (Milene), Rejane Faria (Dona Judite), Maria Leite (Margarete), Gabriel Martins (Professor Juarez), André Novais Oliveira (Marcos), uma arrasadora Babí Amaral (como a Diretora Simone), e vários outros.

“O Último Episódio” é mais um grande acerto desta pequena e bem vinda revolução chamada Filmes de Plástico.

 

Quem dirige

Maurílio Martins é nascido, criado e ainda morador do bairro Laguna, na periferia de Contagem, em Minas Gerais. Junto a André Novais Oliveira, Gabriel Martins e Thiago Macêdo Correia, é um dos sócios-fundadores da Filmes de Plástico. Formado em Cinema e Audiovisual, estreou na direção com o curta “Contagem” (codirigido com Gabriel Martins), recebendo o prêmio de Melhor Direção no Festival de Brasília. Maurílio dirigiu ainda os curtas “Quinze” (Melhor Filme no Janela Internacional de Cinema de Recife) e “Constelações”. Fez sua estreia em longas dirigindo, ao lado de Gabriel Martins, o elogiado “No Coração do Mundo” (2019), exibido na competição da Tiger do Festival de Roterdã e considerado um dos melhores filmes daquele ano segundo a Abraccine. Maurílio também criou, roteirizou e fez a direção-geral da série “Americana”, da Disney+, que encontra-se em processo de finalização e dois episódios de “O Natal dos Silva”, série da Filmes de Plástico criada por Gabriel Martins e cuja estreia será em dezembro deste ano.