O DIABO MACHADIANO DE “A COMÉDIA DIVINA”.

Por Celso Sabadin.

Desprestigiado, e longe do antigo poder que tinha de apavorar e intimidar as pessoas, o Diabo resolve descer à Terra e criar sua própria igreja. Não, não se trata de uma ideia inspirada na vida e na obra de Edir Macedo. O mote está no conto “A Igreja do Diabo”, escrito por Machado de Assis em 1884. O texto foi o ponto de partida para o filme “A Comédia Divina”, primeira incursão no humor do cineasta Toni Venturi, diretor dos ótimos dramas “Latitude Zero” e “Cabra Cega”.

Mostrando que Machado de Assis continua mais contemporâneo  que nunca, esta releitura cinematográfica promove atualizações à obra machadiana: para alcançar seus objetivos satânicos, o Diabo (Murilo Rosa), agora, precisa se apoderar também de uma rede de televisão para divulgar suas ideias, já que a simples fundação de mais uma igreja – no meio de tantas – não teria os efeitos desejados. Assim, ele seduz a jovem jornalista Raquel (Monica Iozzi) para que ela se torne o instrumento televisivo de seu plano.

Com roteiro de José Roberto Torero, Marcos Aurelius, Caroline Fioratti e do próprio diretor, “A Comédia Divina” não se furta em operar no registro dos tradicionais padrões cômicos que conduzem o gênero, permitindo-se até a autoparódia. Em determinada cena, por exemplo, o Diabo vai ao Céu e ao ver tudo branco e limpinho, solta: “Meu Deus, quantos clichês!”. Será através destas referências cristalizadas por uma longa cinematografia que explora o conflito Deus/Diabo que o filme construirá seu humor em busca de um grande público. Com dois diferenciais muito bem-vindos em relação à maioria das comédias que visam o mercado: (1) não há aqui a exploração barata de um tipo de humor rasteiro e chulo que tanto se comete no nosso cinema e (2) mantém-se a crítica social e a ironia humana presentes no texto original de Machado.

Só o fato do filme ter (re)descoberto para o cinema, tão oportunamente, este sarcasmo machadiano já vale a empreitada.

Trazendo o texto para os dias de hoje, não falta uma campanha “Fora Satanás”, divertidas referências ao mundo midiático, críticas ao corporativismo empresarial, e até um entrecho romântico como contraponto.

A estreia é nesta quinta, 19 de outubro.