“O DONO DO JOGO”: MAGUIRE, DE HOMEM ARANHA A MENINO PRODÍGIO.

por Celso Sabadin

Parece inacreditável, mas era comum no século passado que os telejornais de todas as emissoras de televisão noticiassem com destaque os resultados dos campeonatos mundiais de… xadrez. É inimaginável, nestes nossos tempos atuais dominados pela superficialidade e pela espetacularização, que um esporte tão introspectivo e de pouco apelo visual pudesse ser notícia na televisão. Mas era. E o filme “O Dono do Jogo” ajuda a explicar os motivos.

Baseado em fatos, “O Dono do Jogo” mostra a trajetória do norte-americano Bobby Fischer (Tobey Maguire), menino prodígio de rara e extrema inteligência que foi em busca do seu sonho de se tornar campeão mundial de xadrez. Com um agravante: até então os EUA não tinham a menor tradição neste esporte, amplamente dominado pelos russos.

O que mais levanta o interesse na trama é que, em plena Guerra Fria, o talento de Fischer chamou a atenção das mais altas esferas do governo norte-americano, que logo viu a oportunidade de transformar o rapaz numa arma publicitária. Afinal, bater os soviéticos em seu próprio jogo marcaria muitos pontos no conflito ideológico entre o Capitalismo e o Comunismo. Naquela sociedade midiática, o xadrez passa a ser tão importante quanto a corrida espacial. E muito mais barato.

Contudo, de acordo com o roteiro do inglês Steven Knight, Fischer não era exatamente uma pessoa equilibrada. Descendente de russos, ele desde criança sofria com as perseguições anticomunistas da época do Macartismo, desenvolveu um forte complexo de perseguição, e seus problemas de relacionamento – inclusive com o sexo oposto – eram tão gigantescos quanto o seu talento para o xadrez. A pressão vinda de todos os lados – principalmente de si próprio – para ser campeão mundial teria sido excessiva para Bobby Fischer.

Neste ponto o filme escancara um curioso paradoxo: o homem escolhido pelo governo dos EUA para ser peça publicitária no jogo contra os comunistas teria sido ele mesmo vítima da paranoia anticomunista que os próprios norte-americanos desencadearam anos antes. Cruel.

Toda esta história é contada na tela com muito talento pelo diretor Edward Zwick, o mesmo de “Tempo de Glória” e “Diamante de Sangue”. Apoiado por uma marcante reconstituição de época e por ótima interpretações (tanto de Maguire como de Liev Schreiber, que vive o oponente russo  Boris Spassky), Zwick imprime ao filme um tom de aventura política, sem abandonar a delicada questão introspectiva psicológica do protagonista, e conseguindo o feito de transformar um jogo tão cerebral como o xadrez num evento cinematográfico de ritmo e empolgação.

A”O Dono do Jogo” estreou no Brasil, com praticamente dois anos de atraso, em 28 de abril.