“O DUPLO” LEVA DOSTOIÉVSKI AO MUNDO CORPORATIVO.

Por Celso Sabadin.

Um Dostoiévski adaptado para os novos tempos de solidão e concorrência corporativa. Assim pode ser definido “O Duplo”, segundo longa ficcional do diretor inglês Richard Ayoade, o mesmo de “Submarino”.

A primeira cena já dá o tom do filme: num vagão de metrô totalmente vazio, um rapaz (Jesse Eisenberg, de “A Rede Social”) é confrontado por uma pessoa da qual não se vê o rosto: “Você está no meu lugar”, ela diz. Atônito, o jovem resignadamente se levanta e cede seu posto. Esta resignação calada do protagonista acompanhará o personagem durante praticamente toda a ação, disposta a causar na plateia uma incômoda sensação de impotência.

Incomodar, por sinal, parece ser a premissa básica de “O Duplo”. Claustrofóbico e utilizando-se de uma opressora fotografia escurecida, o filme caminha o tempo todo entre o bizarro e o intrigante, enquanto acompanha a trajetória deste protagonista eternamente sufocado pela sua solidão.

Ainda que baseado em Dostoiévski (1821-1881), “O Duplo” esmiúça temas dos mais atuais, como a incomunicabilidade e a dificuldade de ser percebido pelo outro, pautas que – se somadas à já citada solidão – configuram um tripé dos mais contemporâneos. Tudo piora para o protagonista quando ele finalmente se vê confrontado pelo seu duplo, ou por ele mesmo, ou por seu outro lado, num o processo do qual emergirá – ou se extirpará – o melhor e o pior de cada um de nós mesmos.

Cinematograficamente, o filme dialoga abertamente com o hitchcoqueano “Janela Indiscreta” e com a comédia clássica “Se Meu Apartamento Falasse”, enquanto o romance entre os jovens no ambiente opressor de um escritório decadente remete ao italiano “O Emprego”, de Ermanno Olmi.

Uma trilha sonora que sugere uma mistura de Vivaldi com Phillip Glass ajuda bem no ritmo da narrativa.

Exibido em importantes festivais internacionais, como no London Film Festival e no Toronto International Film Festival, “O Duplo” traz ainda presença da atriz australiana Mia Wasikowska, que em breve estará em cartaz em “Mapas para as Estrelas”.