O ENCANTO DO DOCUMENTÁRIO “PALAVRA (EN) CANTADA.”

Quem acompanha Cinema já está cansado de saber da verdadeira explosão de documentários brasileiros que tem chegado às nossas telas. Nem todos conseguem encontrar um bom tema. Só sobre para-quedismo tivemos dois quase simultaneamente. Também não são todos que desenvolvem o assunto escolhido com conteúdo e interesse cinematográfico. Mas tudo bem. Da quantidade acaba saindo a qualidade.

Exemplo desta qualidade é “Palavra (En) Cantada”, documentário dirigido e co-roteirizado por Helena Solberg que teve a criatividade e a ousadia de buscar um tema tão fascinante quanto abstrato e – convenhamos – não muito fácil de desenvolver em linguagem fílmica: as relações entre a música popular brasileira, a poesia e a literatura.

Através de depoimentos de músicos, professores e especialistas, o filme sustenta com credibilidade a tese de que a nossa produção musical popular tem qualidade por ser uma extensão sonora da nossa forte tradição oral de contar histórias, que por sua vez é fruto de uma crônica ignorância erudita e literária de nossas raízes colonizadoras, incapazes de perpetuar nossa cultura através da palavra escrita. Parece acadêmico demais? Pode até ser. Mas se por um lado o documentário levanta este tipo de questão, por outro ele é despojado o suficiente para registrar Tom Zé (sempre ele) dizendo que antigamente a música entrava pelos ouvidos, e que hoje, graças aos poderosos sistemas de som dos automóveis, “ela entra pela bunda. É uma loucura!”.

Ou seja, o filme disseca o tema sob variados pontos de vista. Ou pontos de ouvido. E brinda o espectador com belos momentos de música e poesia protagonizados por, entre outros, Adriana Calcanhoto, Arnaldo Antunes, Chico Buarque, Lenine, Maria Bethânia, Martinho da Vila. De quebra, ainda exibe imagens inéditas no Brasil, como a encenação da peça Morte e Vida Severina, de João Cabral de Mello Neto, no Festival de Teatro Universitário de Nancy, na França, em 1966, e cenas raras (restauradas pela própria produção do filme) de Dorival Caymmi cantando O Mar, nos anos 40.

Helena Solberg, que já havia demonstrado talento e sensibilidade no documentário “Carmen Miranda – Banana is My Business” e na ficção “Via de Menina” acerta novamente com “Palavra (En) Cantada”, filme premiado como Melhor Direção de Longa Documentário do Festival do Rio 2008. Talvez tivesse faltado apenas um depoimento – ainda que breve – da ótima dupla musical paulista denominada, justamente, Palavra Cantada.