O ESCAPISMO POÉTICO DE “O FIO DE ARIANE”.

Por Celso Sabadin.

Os próprios créditos iniciais já avisam: “O Fio de Ariane” não é “um filme de Robert Guédiguian”, como geralmente se escreve, mas “uma fantasia de Robert Guédiguian”, o que logo de cara já permite ao diretor/roteirista ignorar a tênue linha da verossimilhança tão cara ao cinema. Não que Guédiguian, sempre poético e metafórico, se preocupe muito com isso…

Aqui, ele retoma novamente a mesma dupla do ótimo “As Neves de Kilimanjaro”, formada por  Ariane Ascaride e  Jean-Pierre Darroussin. Ela interpreta uma mulher de meia idade que, em pleno dia de seu aniversário, tem uma crise de autoestima (provocada pelos próprios familiares) e resolve simplesmente sair de casa e rodar por aí. No caminho, vai encontrando exóticos personagens, como um africano com saudades da terra natal, um rapaz que lhe dá carona para em seguida lhe abandonar, um senhor francês que teima ser norte-americano, um taxista que escolhe a música de seu carro de acordo com cada passageiro… e até uma tartaruga, com a qual conversa. Tudo isso numa simpática e bucólica Marselha à beira mar.

O tema da personagem de meia idade que joga tudo para o alto para experenciar a liberdade – ainda que tardia – não é exatamente uma novidade no cinema, mas Guédiguian tem a habilidade de reciclar velhos assuntos com um novo frescor. Assim, acompanha-se com interesse o início da trajetória desta mulher, interesse que se transforma em encantamento quando percebemos estar num filme onde se permite aos personagens, por exemplo, dançar livremente numa balsa. E encantamento que se transforma em cumplicidade quando nos vemos arrebatados pelas possibilidades do desenrolar da trama. O tal desenrolar, porém, não acontece. O filme, que obtém um belo universo onírico em sua primeira metade, não consegue manter a magia do meio para o final, e termina numa solução-clichê que mais desagrada que surpreende.

Destaque para a ótima a trilha sonora, com sucessos tanto eruditos como populares, que contribui decisivamente para a criação de um certo clima agridoce e nostálgico bastante coerente coma protagonista.