“O EXERCÍCIO DO PODER” MOSTRA O JOGO POLÍTICO SEM MANIQUEÍSMOS FÁCEIS.

Filmes que abordam os bastidores da política geralmente estão associados a denúncias de corrupção, favores sexuais e às mais diversas sujeiras, Não é necessariamente o caso de “O Exercício do Poder”, roteirizado e dirigido por Pierre Schoeller. Principalmente para nós, brasileiros, à primeira vista é difícil conceber e compreender um filme sobre política onde a corrupção não ocupa lugar de destaque. Mas “O Exercício do Poder” prova que isso é possível. E o faz com um altíssimo grau de qualidade, sem deixar de lado as denúncias sociais, nem as tensões inerentes ao tema.

Ainda que multifacetada, a trama se centraliza em Bertrand Saint Jean, um fictício Ministro dos Transportes cuja carreira política está esmagando sua vida pessoal. Seu grau de perturbação cresce ainda mais quando ele é obrigado a administrar uma grande crise de imagem provocada por um acidente de ônibus que mata crianças e adolescentes. Logo nestes primeiros momentos do filme já se percebe o tom de “O Exercício do Poder”: de madrugada, em meio à neve e cadáveres sendo retirados do acidente, Bertrand é orientado por sua assessora a uma prosaica troca de gravata, para aparecer “melhor” numa entrevista para a TV. Isto é política.

Porém, o roteiro usará o acidente rodoviário apenas para alavancar uma outra série de grandes e pequenas crises políticas e pessoais que o Ministro será obrigado a gerenciar. Desde a privatização das estações de trem da França, até a troca de seu motorista particular. Tudo gira em torno de Bertrand como uma espiral sufocante. Num dos bons momentos do filme, quando o protagonista finalmente se vê sozinho e sem nenhum compromisso imediato, ele pega o celular, passeia pela lista de telefones e murmura: “4 mil contatos e nenhum amigo”.

Um dos grandes méritos do roteiro é evitar o maniqueísmo fácil. Não há grandes vilões, nem grandes heróis, muito menos mirabolantes intrigas palacianas. Há, sim, os jogos de poder e os interesses políticos, mas tudo protagonizado por personagens desenhados de forma humana, crível e, consequentemente, de grande força de persuasão e identificação junto à plateia. E há também grandes e inesperadas cenas que é melhor não comentar para não estragar as surpresas.

Formalmente, o filme se permite a marcantes exercícios de estilo, como longas pausas para silêncio e reflexão que fazem um bem-vindo contraponto ao burburinho insuportável da pressão política. Fora a trilha sonora sempre surpreendente assinada pelo estreante Phillip Schoeller (não consegui levantar se é parente do diretor).

Produzido pelos badalados e premiados irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne e já na minha lista dos melhores filmes do ano, “O Exercício do Poder” recebeu os prêmios César de roteiro original, ator coadjuvante (para Michel Blanc) e melhor som.