O FEBRIL E VIAJANTE “TEMPO SUSPENSO” DE ASSAYAS.

Por Celso Sabadin.

Existem algumas linhas narrativas – independentes, mas tangenciais – que conduzem “Tempo Suspenso”, o mais novo filme do festejado cineasta parisiense Olivier Assayas.

Em uma delas, o próprio cineasta tece de forma documental e testemunhal considerações nostálgicas e pessoais sobre sua infância vivida numa belíssima casa de campo no interior da França, lugar onde se desenvolve o longa.

Numa outra linha simultânea, quatro protagonistas ficcionais conversam longamente entre si sobre diversos aspectos das culturas eruditas francesa e mundial. São eles os irmãos Paul (Vincent Macaigne) e Etienne (Micha Lescot), e suas respectivas namoradas Morgane (Nine D´Urso) e Carole (Nora Hamzawi).

O público que não trafega com muita desenvoltura sobre o tema (tipo eu) fica com uma sensação de ter entrado na festa errada, algo que também acontecia em filmes mais antigos de Woody Allen, quando todo mundo desandava a falar sobre personalidades da vida novaiorquina, lembram? .

E uma terceira linha – mais atraente, palatável e até bem humorada – mostra os mesmos protagonistas ficcionais do parágrafo acima às voltas com os perrengues do isolamento social provocado pela covid 19. Sim, o filme é ambientado naquela época, o que justifica seu título “Tempo Suspenso”.

Revendo agora as insanidades do período, fica até difícil acreditar  que passamos por tudo aquilo.

Esta não linearidade do filme não acontece por acaso. O próprio Assayas afirma que escreveu o roteiro meio que num estado de suspensão/sonho, durante uma forte febre que teve durante a pandemia. E que, felizmente, não era covid. As lembranças de sua infância se misturaram às dificuldades e ritos do isolamento social, e o resultado é um longa que convida o público a viajar junto, sem muitos compromissos com as formulações convencionais da contação de histórias.

Quem se dispuser a deixar a concretude de lado e embarcar neste sonho febril poético será cinematograficamente recompensado.

Exibido no Festival de Berlim de 2024, “Tempo Suspenso” estreia em cinemas brasileiros no próximo dia 20 de março.

Quem dirige

 Olivier Assayas nasceu em Paris, França, em 1955. Depois de estudar arte e literatura, realizou curtas-metragens, escreveu argumentos (nomeadamente para André Téchiné) e contribuiu com artigos para a Cahiers du Cinéma. Dirigiu mais de 30 filmes entre longas, documentários, curtas e minisséries. Em 2016 foi Melhor Diretor no Festival de Cannes por Personal Shopper.