“O FILHO DE DEUS” REVÊ CRISTO EM LINGUAGEM CLÁSSICA E TRADICIONAL.

Fui católico até o início da minha adolescência. Com o passar dos anos, revi vários conceitos, mudei várias formas de pensar, de ser, de crer e de agir. Mas alguma coisa do catolicismo acabou ficando dentro de mim. Entre elas, sem dúvida, o hábito de ver filmes religiosos na Seman Santa.

Algumas décadas atrás, nesta época, não só as emissoras de televisão (que eram poucas) se mobilizavam para exibir filmes sobre o tema, como também alguns cinemas colocavam em cartaz, só nesta semana, grandes clássicos bíblicos. Em São Paulo, acredito que o Cine Ouro, no Largo do Paissandu, tenha sido o último remanescente deste hábito, exibindo “Os Dez Mandamentos” ano após ano. Havia até uma piada dizendo que a cópia do Cine Ouro já estava tão gasta que dos dez mandamentos só havia sobrando uns cinco ou seis.

Bom, toda esta introdução é para falar da estreia de “O Filho de Deus”, que conta novamente uma das histórias mais conhecidas do mundo: a de Jesus Cristo. Há algo de passadista e até saudosista em recontar uma trama tão conhecida, principalmente da maneira clássica e tradicional que aqui se repete. Mas é inegável que já existem algumas gerações que não a viram na tela grande do cinema, e podem curtir a experiência… considerando que o violento “Paixão de Cristo”, falado em aramaico, não era exatamente um filme para as grandes plateias.

O diretor Christopher Spencer não esconde aqui sua carreira eminentemente televisiva: “O Filho de Deus” tem narrativa linear e episódica, evita polêmicas, e busca recontar a trajetória de Cristo dentro dos parâmetros convencionais palatáveis ao grande público. As grandes e icônicas passagens da história e citações-chave estão todas lá, para ninguém sair decepcionado do cinema.
Os seguidores do Cristianismo certamente se identificarão e gostarão de “O Filho de Deus”.

Aqui e ali é possível entrever um rápido subtexto político, como o governador Pôncio Pilatos fazendo com que vândalos infiltrados tumultuem uma manifestação pública (seriam os antecessores dos blacks blocs?), ou dando tonalidades mais “subversivas” a Barrabás. Há também uma tímida tentativa de fazer de Maria Madalena uma personagem mais atuante, mas o conservadorismo do filme rapidamente supera esta intenção.
Como não podia deixar de ser, os romanos são pintados com fortes cores maniqueístas, fazendo com que eles se assemelhem aos nazistas, traçando assim um forte paralelo entre romanos, judeus, nazistas e holocausto. Como os épicos dos anos 50 cansaram de fazer, diga-se.

Um detalhe, contudo, chama a atenção: quando “Paixão de Cristo”, de Mel Gibson, foi lançado, parte da comunidade judaica no mundo inteiro protestou fortemente contra a maneira pela qual Caifás foi retratado no filme, como tendo sido ele o principal articulador da morte de Cristo. Agora, em “O Filho de Deus”, acontece exatamente a mesma coisa com o personagem. E ninguém protestou.
Essa parte eu não entendi.