“O HOMEM AO LADO” É (MAIS) UM ÓTIMO FILME ARGENTINO.

Confesso que estou cada vez mais invejoso do cinema argentino. Com ótimos roteiros, direções primorosas, interpretações soberbas e custos muito baixos, os “hermanos” têm nos oferecido verdadeiras aulas de cinema. “O Homem ao Lado” é uma delas.

Desde a primeiríssima cena, nos créditos iniciais, o filme intriga e envolve. A tela é dividida ao meio, num rigoroso preto e branco onde se vêem, à direita, uma parede sendo martelada. E, à esquerda, a mesma parede vista do outro lado. É um prelúdio do que será mostrado a seguir: dois universos de diferenças irreconciliáveis protagonizados por dois vizinhos de personalidades antagônicas. Leonardo (Rafael Spregelbud) é um designer premiado que mora numa luxuosa e histórica casa projetada pelo arquiteto Le Corbusier. A única dele na América Latina, diz o filme. Victor (Daniel Araóz) parece ser um homem simples, um bon vivant, um pouco louco, um pouco sedutor. Parece. Como veremos o filme totalmente sob a optica de Leonardo, pouco ou quase nada saberemos de Victor. Jamais entraremos em sua casa. Mas quanto mais conhecermos Leonardo, mais ele se tornará odioso.

Tudo começa ao som de uma insistente marreta. São os pedreiros de Victor, abrindo uma janela cuja vista dará diretamente para a casa/templo de Leonardo. O designer fica indignado e exige a imediata suspensão da obra. Victor não compreende tamanha indignação, pois com sua singela abertura na parede quer apenas “um pouco de Sol que você não utiliza”. Está estabelecido o conflito. É a partir dele que o excelente roteiro de Andrés Duprat (que também é arquiteto) traça uma crítica ferina contra o acastelamento de toda uma casta social historicamente treinada para sempre sugar, e nunca oferecer.

A qualidade do roteiro é trabalhada com maestria pela dupla de diretores
Mariano Cohn e Gastón Duprat, que através de deslumbrantes enquadramentos repletos de grafismos traça um coerente paralelo com a profissão do personagem principal.
Passa-se praticamente metade do filme sem que a esposa do protagonista tenha seu rosto revelado por completo. Hora ela está nas sombras, hora de costas, hora com a face escondida por um computador ou qualquer outro elemento de cena. Sua filha não emite um único som. São vidas tristes, vividas pela metade, escondidas sob a carapaça da bela e fria casa.

É interessante perceber como a câmera jamais nos dá uma visão racional do exato posicionamento da tal janela em busca de “um pouco de sol”. Uma opção das mais inteligentes que tira do espectador qualquer tentação de julgar racionalmente o problema dos vizinhos. É como um recado visual dos diretores: a questão ali colocada pouco ou nada tem a ver realmente com a janela.

Muito mais que um filme sobre o desentendimento entre dois vizinhos, “O Homem ao Lado” é a metáfora de uma guerra civil urbana e muda que se trava todos os dias nos abismos sociais de todos os cantos do planeta. Com a marca de qualidade do cinema argentino.