O Homem Duplo

Por mais que as técnicas cinematográficas se desenvolvam, nada supera o prazer de uma história bem contada. O novo filme de Richard Linklater, “O Homem Duplo”, prova isso novamente. A técnica de animação realmente impressiona (nos primeiros minutos), mas a falta de um bom roteiro logo permite que a sonolência se sobreponha à novidade. A exemplo do que já havia feito no quase insuportável “Waking Life” (de 2001), Linklater novamente realiza aqui uma animação computadorizada feita a partir da filmagem convencional dos atores em ação real. O processo foi batizado de “rotoscopia interpolada”, mas grosso modo pode-se dizer que é um programa de computador que “desenha e pinta” as imagens que foram previamente captadas em filme. Na era pré-digital, artistas como Ralph Bakshi, por exemplo, faziam algo parecido a mão, na raça, como pode ser visto no antológico “American Pop”, de 1981.
É uma pena que o roteiro – escrito pelo próprio Linklater – não tenha sido feliz ao adaptar a idéia original do livro “A Scanner Darkly”, do já falecido Phillip K. Dick. Afinal, os textos de Dick já originaram grandes filmes de ficção científica, como “Blade Runner”, “O Vingador do Futuro” e “Minority Report – A Nova Lei”. O roteirista Charlie Kaufmann e o diretor Terry Gilliam já haviam começado a desenvolver projetos baseados em “A Scanner Darkly”, mas infelizmente nenhum deles vingou.
Ambientada num futuro próximo, a história fala de uma nova e poderosa droga que causa forte dependência e sérios danos cerebrais. O policial Bob Arctor (Keanu Reeves) trabalha infiltrado entre os usuários, e acaba transformando-se num deles. Sua vida dupla o leva a uma situação esquizofrênica, embaralhando sua mente e tornando cada vez mais invisível o limite entre realidade e alucinação. Chega a lembrar a situação do agente Deckard, de “Blade Runner”, que também vivia a angústia de não conseguir diferenciar exatamente os Humanos dos Replicantes, podendo ele próprio ser um dos andróides a quem devia destruir.
Porém, Linklater se perde em diálogos gigantescos, sonolentos e supostamente cínicos (herança de Tarantino?), transformando o que poderia ser uma boa ficção científica numa experiência enfadonha. Isso sem contar no desperdício de um bom elenco, que traz ainda Winona Ryder, Robert Downey Jr. e Woody Harrelson. Todos devidamente “desenhados por cima”.