“O HOSPEDEIRO” INOVA, PERTURBA E MOSTRA A CRIATIVIDADE DO CINEMA COREANO

“O Hospedeiro” tem praticamente duas horas de duração. E confesso que passei toda a primeira hora absolutamente pasmo, sem saber se estava vendo um drama, uma comédia ou um filme de horror. Passado este primeiro momento, como se dizia antigamente, “a ficha caiu” (sim, porque os telefones hoje são na base do cartão). Ou seja, em que lei está escrito que os filmes precisam necessariamente ser rotulados como se estivessem prontos para serem colocados numa prateleira de videolocadora?
Pois “O Hospedeiro” quebra todas estas convenções. Ele começa como uma singela história familiar passada na beira do rio Han, em Seul. É ali que conhecemos uma simpática família proprietária de uma barraquinha de comida: o pai, o filho e a neta. Através da televisão desta família, ficamos sabendo também que existe uma outra filha, que é arqueira do time olímpico coreano.
De repente, surge dependurado numa ponte à beira deste rio uma imensa criatura gosmenta que – do nada, sem motivo aparente – passa a devorar as pessoas que tranqüilamente faziam pic-nic nas verdejantes margens do Han. A cena é tão grotesca quanto inesperada. Esqueçam toda aquela estética asséptica do cinema hollywoodiano que fica enviando mensagens cinematográficas cifradas pela antigas bíblias dos filmes de terror. O monstro coreano simplesmente ataca. Tranqüilo e infalível como Bruce Lee. Feroz, insaciável e inexplicável. A capital coreana passa viver um clima de morte comparável às cenas que a mídia veiculou na época do Tsunami. E, acreditem, há espaço para cenas cômicas que lembram “Os Trapalhões”. A mistura proposta pelo diretor Bong Joon-ho é corajosa.
Após o ataque do monstro, tem início a saga desta família proprietária de uma barraquinha de comidas pelo resgate de um de seus membros, supostamente devorado. Irônico. Quem tirava o sustento da comida sai agora em busca de um ente querido devorado. São várias as leituras. Que Coréia é esta? O que busca este país tão dividido? E mais: o povo coreano é obrigado a passar por esta tragédia em função de um descaso e de uma arbitrariedade ocidental de uma autoridade que fala inglês.
Perturbador, “O Hospedeiro” é impossível de ser assistido com indiferença. Seguidores da cartilha de Hollywood certamente vão estranhar, e provavelmente regurgitar a proposta (como o próprio monstro, aliás, faz com suas presas). Os cinéfilos apreciadores de inovações devem gostar. E os donos de videolocadoras vão ter muito trabalho em encontrar em qual prateleira ele deve ficar, na hora que o filme sair em DVD.
“O Hospedeiro” vendeu mais de 13 milhões de ingressos na Coréia do Sul, o que corresponde a aproximadamente 20% da população. É como se um filme brasileiro vendesse 36 milhões de ingressos por aqui. Ele foi indicado aos Prêmios de Melhor Filme Internacional e Melhor Ator Revelação ( Ah-sung Ko) de 2007 pela Academia de Filmes Ficção Científica, Fantasia e Horror dos EUA.