“O JOVEM AHMED” RATIFICA NARRATIVA NEOCOLONIAL.

Por Celso Sabadin.

Já tive a oportunidade de escrever por aqui sobre uma perigosa tendência, digamos, neocolonialista, que tem se desenhado no cenário cinematográfico internacional. Trata-se da realização de coproduções de países europeus (quase sempre França, Bélgica ou ambos) onde se destaca uma trama maniqueísta na qual os personagens que representam a cultura árabe são retratados como fanáticos assassinos, enquanto os personagens representantes da cultura europeia são mostrados como humanistas e progressistas. Isto pode ser notado em filmes que já passaram pelo nosso circuito, como “Clash”, “Degradé”, “Meu Querido Filho”, “Adeus à Noite”, por exemplo, ou mesmo no ainda inédito “Les Bienheureux”, entre outros.

Reforçando a tese, estreia agora no Brasil “O Jovem Ahmed”, vencedor do prêmio de Melhor Direção em Cannes e dirigido pelos badaladíssimos irmãos belgas Dardenne, os mesmos dos festejados “A Criança”, “O Filho”, “Rosettta” e “A Garota Desconhecida”, entre outros.

A base do roteiro é recorrente dos demais filmes na mesma pegada: Ahmed (o estreante Idir Ben Addi) é um garoto muçulmano de 13 anos que vive na Bélgica com sua família já totalmente aculturada. Porém, um religioso extremista coopta o rapaz para práticas radicais. Segue-se então a narrativa na mesma linha dos filmes citados acima: a família aculturada é bela, feliz e tolerante, enquanto o menino muçulmano representa a destruição e o ódio.

Desta vez, porém, como o longa é produzido e dirigido por belgas, não há a validação de um diretor de origem muçulmana (com nos demais exemplos), o que pelo menos ameniza a hipocrisia. Mas soa exagerada a chancela de um prêmio tão importante quanto o de Cannes. O final, supostamente redentor, tampouco ajuda.

De qualquer maneira, o tema é dos mais importantes, atuais e urgentes, e merece ser repensado pela comunidade cinematográfica: que imagem do multiculturalismo está sendo, afinal, construída pelo audiovisual de tendência neocolonial? A responsabilidade é grande.