O LISÉRGICO E ONÍRICO “CONTO DE FADAS” DE SOKUROV.
Por Celso Sabadin.
Churchill, Hitler, Stalin, Mussolini e Jesus Cristo se encontram no purgatório… Parece começo de piada, mas é o início de “Conto de Fada”, da obra mais recente do sempre genial russo Aleksandr Sokurov.
Quem já viu – digamos – “Moloch”, “O Sol” ou “A Arca Russa”, só para citar alguns exemplos de sua vasta carreira, sabe que não se deve esperar nada de convencional em seus filmes.
Um dos cineastas mais autorais ainda atuantes nesta atividade cada vez mais direcionada ao mercado, Sokurov há anos desenvolve uma obra de estética própria, de pouca ou nenhuma concessão comercial. Evitando facilidades, explorando sons, silêncios e texturas de rara inspiração, e desenvolvendo roteiros densos e intensos, a impressão que se tem é que Sokurov filma sonhos. Ou pesadelos.
“Conto de Fada” não traz uma trama linear, dessas feitas pra fazer sinopse em rede social. O filme começa com um letreiro informando que todas as imagens utilizadas são de arquivo, sem deepfake ou Inteligência Artificial. Não é necessário muito tempo para percebermos que o letreiro é irônico, e que ele próprio já nos coloca no mundo onírico do diretor.
Somos transformados em testemunhas oculares, visuais e principalmente sensoriais de grandes figuras da Segunda Guerra que se (re)encontram diante dos portais do Inferno, onde cruzam com um Jesus Cristo que não sabe bem por que foi deixado lá. Eles caminham com a desenvoltura e suavidade dos anjos e se multiplicam como pães, vinhos e peixes enquanto conversam tranquilamente sobre política, filosofia, vida, morte, e todos esses assuntos que a gente sempre discute quando se vivencia a eterna espera do purgatório. É lisérgico.
“Conto de Fadas” redefine com precisão o termo “experiência imersiva”, que foi apropriado por qualquer exposiçãozinha de shopping center, aí sim, de maneira fake.
Selecionado nas mostras competitivas oficiais dos festivais de Locarno e Sevilla, “Conto de Fadas” entrou em cartaz nos cinemas brasileiros na última quinta-feira, 23/05.