“O LOBO DE WALL STREET”, “CLUBE DE COMPRAS DALLAS” E “TRAPAÇA”: TRÊS FILMES COM MUITO EM COMUM.

Há várias semelhanças entre “O Lobo de Wall Street”, “Clube de Compras Dallas” e “Trapaça”, além deles concorrerem a uma baciada de prêmios Oscar. Todos os três são baseados em histórias reais, são ambientados entre os anos 70 e 80 e, cada um à sua maneira, discorrem sobre o mesmo tema: uma América forte, construída sobre as bases da fraude e da corrupção.

“O Lobo de Wall Street” conta a trajetória de Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio), um corretor de ações que se torna estupidamente milionário ao entrar de cabeça em procedimentos ilegais do mundo das bolsas de valores. O advérbio “estupidamente” não é por acaso. Muito mais que uma mera cinebiografia, o roteiro, escrito a partir do livro do próprio Belfort, é um poderoso tratado sobre a imbecilidade do capitalismo que visa unicamente o dinheiro pelo dinheiro, e elege o lucro como seu deus. Uma riqueza que se apresenta como tóxica e inebriante, finalidade de si própria, e vazia em sua total falta de princípios. Aqui, sexo, dólar e cocaína são apenas nomes diferentes para o mesmo entorpecente: o poder desmesurado.
O filme tem a seu favor a direção sempre exuberante de Martin Scorsese. Generoso e exagerado na amplidão de seus enquadramentos e movimentos de câmera, Scorsese faz das 3 horas de “O Lobo de Wall Street” o seu filme-ostentação. E não sem motivos. Afinal, Belfort é um personagem que comete as maiores loucuras apenas por um único motivo: ele pode.
Outro grande mérito de “O Lobo de Wall Street”, como quase sempre acontece nos trabalhos de Scorsese, é extrair o máximo de seu excelente time de coadjuvantes, onde se destacam Jonah Hill e – ainda que numa participação bem pequena – um marcante Matthew McConaughey.

O mesmo Matthew McConaughey que rouba a cena no ótimo “Clube de Compras Dallas”, sobre a trajetória de Ron Woodroof. Ron era um simples eletricista em Dallas, machista, preconceituoso, racista, rude e mulherengo. O próprio retrato de boa parte dos EUA. Seu mundo tosco, que já não é lá grande coisa, desaba quando ele fica sabendo que tem apenas 1 mês de vida. E “pior”: está com Aids, o que lhe leva a sofrer todo o tipo de preconceito precisamente daqueles que, antes, eram os seus grandes amigos.

Assim como “O Lobo de Wall Street”, “Clube de Compras Dallas” também está longe de ser uma mera cinebiografia. O roteiro (assinado por Craig Borten e Melisa Wallack, praticamente estreantes) utiliza – e bem – a história de Woodroof para fazer graves denúncias contra supostos esquemas de corrupção movidos pela mega poderosa indústria farmacêutica norte-americana. O filme sustenta a tese de que fatores meramente comerciais atrasaram de maneira fatal o desenvolvimento de remédios contra a Aids, impondo o ineficaz AZT e desqualificando pesquisas vitoriosas realizadas em outros países. Na contramão da lei, o pânico do protagonista é a mola propulsora para que ele desafie a corrupção e busque suas próprias soluções, por mais heterodoxas que elas possam parecer.
A direção do canadense Jean-Marc Vallée, o mesmo do sensível “C.R.A.Z.Y”, prioriza um certo intimismo documental, com sua câmera na mão e enquadramentos em close, conseguindo criar um eficaz clima de proximidade e empatia entre o público e os bem construídos personagens. O show a parte de McConaughey é imperdível.

Encerrando esta trilogia de “indicados ao Oscar que se passam nos anos 70/80 baseados em casos reais sobre a construção de uma América podre”, o mais fraco dos 3 certamente é “Trapaça”. Já com seu letreiro inicial avisando que
“Some of these actually happened” (ou seja, que somente “alguma coisa” do que o filme mostra realmente aconteceu), o roteiro fala de Irving Rosenfeld (Christian Bale, quase irreconhecível) e sua amante (Amy Adams, ótima), um casal de vigaristas que vive de aplicar golpes em incautos investidores. Tudo vai bem até o dia em que eles são pegos pelo agente do FBI Richie DiMaso (Bradley Cooper) que, ao invés de prendê-los, passa a trabalhar com eles.
O excesso de diálogos pouco inspirados, a falta de direcionamento dramatúrgico de muitas cenas e a desinteressante construção dos personagens faz com que “Trapaça” destoe, negativamente, dos demais indicados deste ano. Méritos para a reconstrução de época e para a excelente utilização das músicas do período para a criação de clima, fatores que, por si só, não chegam a ser suficientes para manter o interesse pela trama.

Desta vez, o diretor David O. Russell ficou bem aquém de seus trabalhos anteriores “O Lado Bom da Vida” e “O Vencedor”.