“O MENSAGEIRO” DISSECA A INUTILIDADE DAS GUERRAS.

No filme Amor Sem Escalas, não foram poucas as pessoas que se impressionaram com a crueldade da profissão exercida pelo personagem de George Clooney: uma espécie de “urubu” corporativo, um funcionário terceirizado especializado única e exclusivamente em despedir pessoas.

Agora, o drama O Mensageiro aborda uma função muito pior: a de comunicar a morte. É este o serviço que resta ao sargento Will Montgomery (Ben Foster), aposentado dos campos de batalha após ferimentos recebidos na guerra do Iraque. Ele e o capitão Stone (Woody Harrelson) formam aquela dupla bastante conhecida dos filmes de guerra, encarregada de comunicar a pais, filhos, esposas, namoradas e parentes, em nome do Governo dos EUA, que seus entes queridos acabam de morrer em batalha. Pelo bem da Pátria, é claro. Nada mais cínico.

Representantes oficiais do país mais bélico do mundo vestem uma capa de suposta dignidade para entrar nas casas de inocentes civis e destruírem seus lares e suas vidas em poucos segundos. Com direito a solenes cerimônias fúnebres, salvas de tiros e, quem sabe, uma bandeira listrada cuidadosamente dobrada e colocada sobre o colo da viúva.

Ao captar magistralmente tanto a dor quanto o cinismo da situação, O Mensageiro é ao mesmo tempo maravilhoso e tristíssimo. Estreando na direção, o corroteirista e diretor Oren Moverman (também corroteirista de Não Estou Lá) realiza um trabalho impecável, repleto de reflexão e profundamente humano. A tocada é lenta, reflexiva e dolorida, chegando a lembrar o excelente cinema independente norte-americano de denúncia produzido na época da Guerra do Vietnã.

Montgomery e Foster são personagens ricamente construídos e magnificamente interpretados. São militares, sim, cada um deles cumprindo seu “dever” com a Pátria da forma que lhes for possível, mas acima de tudo são seres humanos debaixo de seus impessoais uniformes. Não se trata de uma tentativa de humanizar o Exército, mas sim de denunciar a estupidez das guerras (qualquer uma delas) sob o ponto de vista de dois combatentes, de quem esteve ou está lá dentro.

O filme trabalha com vários níveis de conflito. O primeiro e mais visível aborda a incoerência da sociedade norte-americana, que tem uma grande parcela da população que apoia as guerras, mas que se desespera quando percebe que seus entes queridos estão morrendo dentro delas. E como não morreriam? Provavelmente embriagada pela falsa idéia de invencibilidade e liderança mundial vendida pelo seu governo, esta mesma população entra em choque ao perceber que a morte não é algo que acontece apenas na casa ao lado. Ou no país ao lado.

Este brutal paradoxo fica ainda mais visível numa cena em especial, quando uma mulher (Samantha Morton, ótima) que acaba de perder o marido no Iraque entra em confronto com um grupo de militares que tenta convencer alguns jovens a se alistarem no Exército. Tudo acontece dentro de um shopping center, o templo do consumo tão querido aos norte-americanos, onde se vende de tudo. Até a ilusão e a mentira das maravilhas do alistamento militar.

Preste atenção também para um longo e belo plano com Samantha Morton e Ben Foster, sem cortes, na cozinha da casa da personagem. Um garoto desamarrando fitas amarelas das árvores, sinalizando que a pessoa que ele esperava jamais irá voltar, é outro ponto alto do filme.

Um segundo nível de conflito sai do social e caminha para o psicológico: Stone se sente inferiorizado pelo companheiro Montgomery pelo fato de não ter ido efetivamente ao campo de batalha. E Montgomery, justamente por ter ido, sabe na pele o quanto isto é estúpido. Mas a falsa moral bélica americana faz do perturbado Montgomery um herói, em detrimentos dos outros, enquanto Stone (significativamente o nome inglês para “Pedra”) tenta esconder seu complexo de inferioridade fingido superioridade e se apoiando nos falsos clichês machistas daquilo que o Exército espera de seus homens. O momento do filme em que Stone desaba é antológico.

Poucos filmes conseguiram radiografar tão bem a essência da guerra e suas consequências, sem explorar cenas de batalhas, como O Mensageiro. Colecionando, até o momento, mais de 20 prêmios e indicações (apenas duas para o Oscar, outra das incontáveis mancadas da Academia), o filme traz ainda fortes doses de sarcasmo em seus diálogos e detalhes. Um exemplo: o toque do bipe de Montgomery é o som telegráfico de S.O.S., enquanto o toque do celular de Stone é a Marcha Fúnebre de Chopin.

No Festival de Berlim, O Mensageiro ficou com o Prêmio de Melhor Roteiro e um Prêmio Especial para a Paz. Uma Paz que todos almejam, mas que parece não existir