O MERGULHO BELO E CONTRADITÓRIO DE “UMA BAÍA”.

Por Celso Sabadin.

Diz a História que o primeiro filme feito no Brasil foi “Vistas da Baía de Guanabara”, de 1898. Posteriormente tal informação foi contestada, mas essa já é uma outra história.

Cantada e decantada em verso e prosa, a Baía de Guanabara –  um dos mais famosos cartões postais do Brasil (será que o pessoal ainda sabe o que é um cartão postal?) – ganha agora uma representação imagética completamente diferente de tudo o que já se viu até então: o documentário “Uma Baía”, de Murilo Salles, que acaba de estrear em nossos cinemas.

Esqueça os cartões postais (olha eles aí de novo)! O longa propõe uma viagem diferenciada pela região, preferindo se debruçar detalhadamente sobre as diversas comunidades e fascinantes tipos humanos que habitam o entorno da baía, não raramente extraindo dela os seus sustentos.  Ou, como destaca o material promocional do longa, “fábulas visuais sobre trabalhadores em suas jornadas pela sobrevivência na Baía de Guanabara”.

Enormes rolos de minério de ferro parecem compor um visual de ficção científica futurista e distópica. Caranguejos retirados do lodo parecem estar saindo diretamente do mangue pernambucano. Mariscos que mais parecem pedras brotam incrustrados nos pilares da gigantesca ponte. Tortuosas ruas e vielas poderiam estar em qualquer canto do Brasil profundo… No cinema contemporâneo de “Uma Baía”, nada lembra as vistas da Baía turística descoberta pelo antigo filme dos irmãos Segretto. Aqui, temos um microcosmo brasileiro da luta diária, a sobrevivência em seu estado bruto.

O documentário segue o formato observativo, sem depoimentos, sem narração em off (que maravilha!), sem trilha musical manipuladora, aliás, sem trilha musical alguma (que outra maravilha!), abrindo seus microfones apenas para o realismo do momento de seus registros. Um mergulho sensorial ao mesmo tempo autêntico e poético.

Seu diretor, Murilo Salles, informa que “em nossa primeira versão, o filme tinha sete horas e 20 minutos. Eram oito documentários em suas acepções clássicas. Foi uma inquietação que nos levou a querer fazer um exercício para descobrir no material suas essências poéticas. Depois de um trabalho obsessivo de busca por “imagens” e “sons” que carregassem esse poder de concentração simbólica, nasceram as oito fábulas”.

Mergulhe sem moderação.

 

Quem é o diretor?

Murilo Salles nasceu no Rio de Janeiro em 1950. Na adolescência, dedica-se a uma iniciação fotográfica que se desdobra em sua precoce carreira como Diretor de Fotografia em Tati a Garota (1972), de Bruno Barreto, Lição de Amor (1974), de Eduardo Escorel, e Dona Flor e dos dois maridos (1975), também de Bruno Barreto. Aos 26 anos parte para Moçambique a convite de Ruy Guerra. Ali dirige seu primeiro longa-metragem Estas são as armas, um documentário ensaístico sobre o colonialismo português em Moçambique, que ganhou o prêmio ‘Pomba de Prata’ do Festival de Leipzig, em 1978, e se tornou um dos 500 melhores documentários de todos os tempos pelo National Film Board of Canada.

Desde então, dirigiu mais de 10 longas-metragens alternando entre documentários e obras de ficção, premiados em importantes festivais do Brasil e do mundo.

 

FILMOGRAFIA

Como diretor de longa-metragens:
Essas são as Armas (1978), doc vencedor do prêmio Pomba de Prata no Festival de Leipzig;

Nunca Fomos Tão Felizes (1984), ficção. Selecionado para a Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, vencedor do Leopardo de Bronze no Festival de Locarno, Melhor Filme no Festival de Brasília;

Faca de Dois Gumes (1989), ficção, prêmio Melhor Direção no Festival de Gramado, Seleção New Directors, New Films, Lincoln Center/MoMA;

Todos os Corações do Mundo (1994), Doc Filme Oficial da FIFA da Copa do Mundo, Bronze Medal no The New York Festivals;

Como Nascem os Anjos (1996), ficção, Melhor Filme no Festival de Huelva, Espanha, e Seleção FORUM no Festival de Berlim;

Seja o que Deus Quiser! (2002), ficção. Melhor Filme no Festival do Rio, seleção oficial do Festival de Moscou;

És tu, Brasil, (2003), doc ensaio para TV Cultura;

Nome Próprio (2008), ficção, Melhor Filme no Festival de Gramado;

Aprendi a jogar com você (2015), Doc. Melhor Montagem no Festival de Paulínia;

O Fim e os Meios (2015), ficção. Melhor Roteiro, no Festival do Rio;

Passarinho lá de Nova Iorque (2015), doc. Seleção Autores Festival de Tiradentes;

Alegorias do Brasil (2018), série em 13 episódios para TV;

Uma Baía (2021), doc. World Première no DOK Leipzig; seleção oficial da Première Brasil no Festival do Rio