O NAZISMO – SEMPRE PRESENTE – NO PUNGENTE “MEMÓRIAS DA DOR”.  

Por Celso Sabadin.

Não sei muito bem o motivo, mas sempre tive uma atração e uma predileção muito grandes pelos filmes ambientados na Segunda Guerra Mundial. Porém, sempre assisti a eles com o inevitável distanciamento histórico/temporal de quem não vivenciou o período.  Com os novos e tenebrosos tempos vividos no Brasil, noto como minha percepção sobre o tema mudou. É impossível não relacionar a ação dos colaboracionistas franceses, durante a época da ocupação nazista, ao entreguismo ignorante e destrutivo da direita promovido atualmente em nosso país pelos apoiadores do nosso novo governo nazifascista. Tal paralelo potencializa os sentimentos e as sensações: a obra muda, o filme se reveste de uma triste contemporaneidade que julgávamos, erroneamente, enterrada no tempo e no espaço.

Autobiográfico, o romance “La Doleur”, que  Marguerite Duras publicou em 1985, é a base para o roteiro que Emmanuel Finkiel, também diretor do filme, escreveu para “Memórias da Dor”. É o quinto longa ficcional dirigido por Finkiel, o premiado diretor de “Viagens” (2009).

O filme é irregular. Tem um início excessivamente verbal, que não esconde sua origem literária, onde Marguerite (vivida por Mélanie Thierry, convincente) expõe em longas narrações em off os seus controversos sentimentos por ter encontrado um antigo diário. Desenvolve-se posteriormente num vibrante e magnético flash back com a luta da protagonista em localizar o marido Robert (Emmanuel Bourdier), aprisionado pela Gestapo. Aqui o filme cresce. É eficiente ao explicitar a impotência do cidadão comum em busca de informações numa França sufocada pelo totalitarismo. É cáustico ao revelar o comportamento dos cidadãos franceses colaboracionistas que descartam todos os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade para assumir o triste papel de lambe botas do poder. É ferino ao esmiuçar as relações de medos e traições que potencialmente triangulam entre a protagonista, o movimento de resistência, e o oficial franco-nazista que tripudia do alto de sua posição privilegiada.

Em seu ato final, a narrativa volta a se apoiar em longas descrições verbais de pensamentos e emoções, arrefecendo desta forma o furor anterior, mas mesmo assim contabilizando um saldo dos mais positivos para o filme como um todo.

Representante da França no Oscar de filme estrangeiro, “Memórias da Dor” foi indicado a oito prêmios César. E é tristemente atual.