“O PEQUENO CORPO” E AS IMBECILIDADES COMETIDAS EM NOME DA RELIGIÃO.

Por Celso Sabadin.

As intolerâncias e dogmas produzidos pelas religiões continuam sendo algumas das mais recorrentes forças propulsoras das histórias retratadas pelo cinema. E nem poderia ser diferente. Afinal, por mais que o mundo evolua – ou pareça evoluir – a ignorância religiosamente difundida permanece no nosso noticiário como causa principal das grandes tragédias humanas. Todos os dias.

O poético “O Pequeno Corpo” é um dos mais recentes exemplos de cinema realizado nesta vertente.

Em algum canto do mundo perdido no tempo e no espaço, a jovem Agata (a estreante Celeste Cescutti) dá à luz uma criança natimorta. Não bastasse a dor da perda, Agata ainda deve enfrentar a intransigência católica do padre local que a impede de sepultar sua bebê em solo sagrado, posto que a criança ainda não havia “respirado”.
O que talvez o padre não soubesse é que a obsessão de uma mãe ferida é capaz de superar qualquer obstáculo. Incluindo a insuperável estupidez religiosa.

O filme levanta uma entre as inúmeras inconsistências do catolicismo: a igreja é historicamente contra o aborto por considerar o feto de algumas semanas como um ser vivo, mas não considera “suficientemente vivo” um natimorto a ponto de autorizar seu sepultamento no solo supostamente sagrado de um cemitério.

Coproduzido por Itália, França e Eslovênia, “O Pequeno Corpo” tem roteiro de Marco Borromei, Elisa Dondi e da própria diretora, Laura Samani, aqui em seu primeiro longa-metragem. Samani optou por uma narrativa intimista e minimalista que potencializa o sofrimento silencioso de sua personagem, ao mesmo tempo que gera um vigoroso contraste com o esplendor das imponentes locações da região italiana de Friuli-Venezia Giulia, local de nascimento da diretora.

Não é apenas a atriz protagonista que não tem experiência em atuação. Seguindo a linha do neorrealismo italiano, quase todo o elenco é formado por pessoas que nunca atuaram antes. Em alguns casos, famílias inteiras.
Os diálogos desenvolvidos em dialetos Veneto e Friuli – outra herança do neorrealismo – acrescentam mais veracidade à trama.

Há também um fundo de verdade na fantástica história que se vê no filme: em 2016, Samani descobriu um pequeno santuário no qual, até o século XIX, acreditava-se ser capaz de trazer de volta à vida bebês natimortos. “Para mim, a melhor parte de uma história é aquele momento em que um personagem decide se rebelar. A escolha de Agata é praticamente escandalosa porque denota orgulho e protesto não apenas contra sua religião, mas também contra as leis da natureza. Agata decide ouvir as vozes que falam sobre os milagres”, explica a cineasta.

Vencedor do David di Donatello (a maior premiação do cinema italiano) na categoria de direção estreante, “O Pequeno Corpo” estreou nesta quinta-feira, 23/11, nos cinemas de São Paulo, Brasília, Jundiaí e Ribeirão Preto.