“O PREÇO DA FAMA” MERGULHA NO AGRIDOCE UNIVERSO CHAPLINIANO.

Por Celso Sabadin.

A pequena Samira gosta de animais e quer ser veterinária. Seu pai, Osman, lhe dá um banho de água fria dizendo a ela para tirar a ideia da cabeça, pois jamais terá dinheiro para pagar uma faculdade. Se ela gosta de bichos, que arrume um emprego qualquer num zoológico.

É nesta situação de claras limitações e ausência de sonhos que Osman e Samira, imigrantes argelinos, se arranjam como podem na bela Suíça. Para piorar a situação, a mãe, Noor, não pode mais trabalhar como faxineira enquanto não fizer uma caríssima operação. Entram então em cena dois improváveis personagens: Eddy, um tambiqueiro ex-presidiário amigo de Osman… e Charles Chaplin.

Por mais incrível que possa parecer, “O Preço da Fama” é baseado num caso verídico, acontecido imediatamente após a morte de Chaplin, em 1977, provando mais uma vez que a vida real sempre é mais surpreendente que qualquer roteiro.

Não importa muito, aqui, tentar entender os limites do que de fato aconteceu, e do que é pura ficcionalização do roteirista e diretor francês Xavier Beauvois, o mesmo de “Homens e Deuses”. Trata-se antes de mais nada de um filme que mergulha no universo de dois belos personagens tragicômicos: Osman e Eddy, ambos imigrantes comendo o pão que o diabo amassou fora de suas casas, ambos no limite entre o cômico e o dramático, ambos amargamente patéticos em busca de uma sobrevivência minimamente digna. Ambos, enfim, chaplinianos. E é desta chaplinidade (se a palavra não existe, passa a existir agora) que Beauvois extrai o melhor de seu filme, explorando com atraente plasticidade cinematográfica os universos tão ricos e tão irônicos que misturam o grande mito e o homem comum.

Ao receberem a noticia da morte de Chaplin pela TV, por exemplo, Osman, Eddy e Samira se encontram numa ambientação que claramente referencia a cabana de “A Corrida do Ouro”. E não por acaso Eddy encontrará mais tarde um emprego de palhaço, que permitirá ao diretor reproduzir situações e enquadramentos que homenagearão “Luzes da Ribalta”.  São várias as referências armadas para encantar o cinéfilo.

Chama também a atenção – e muito – a trilha sonora do veterano Michel Legrand, nome icônico da música cinematográfica francesa, que tem aqui seu belo trabalho magnificamente utilizado por Beauvois, na medida em que cria um atordoante contraponto sonoro fazendo chocar a grandiloquência da partitura musical com a simplicidade espartana de seus protagonistas. Com tempero dos grandes temas chaplinianos, ainda por cima.

“O Preço da Fama” foi selecionado para o Festival de Veneza, onde não ganhou prêmio algum, mas merece ser descoberto pelos cinéfilos, chaplinianos ou não.