“O Suspeito”: a herança americana do onze de setembro

Se alguma herança existe deixada pelo trágico episódio do atentado às Torres gêmeas de Nova York em 11 de setembro de 2001, esta é certamente a do medo. Ainda que se extraia a descrição de atos heróicos e comoventes lições de solidariedade, é notório que diante do medo a contundência dos relatos se tenha diluído. Pois é este medo transformado em paranóia que o filme do sul-africano Gavin Hood transforma em protagonista , sendo que a tortura como meio de obtenção de informações é a grande aliada dos serviços de Inteligência tanto americano quanto egípcio. Inicialmente paralisante, é o sentimento que mais tem justificado ações radicais sob a forma de guerras e outras invasões..Desde à privacidade dos cidadãos até a de territórios distantes.
Um atentado terrorista em solo egípcio matando um agente do serviço secreto americano inicia uma sucessão de equívocos e reações em cadeia que podem culminar em um número maior de mortes e de vítimas inocentes de um sistema carcerário desprovido de qualquer vestígio de humanidade. Em “ O Suspeito”, a lei de Rendição Extraordinária (lei de exceção em que se autoriza a extradição de um suspeito para que seja interrogado em seu país natal) garante ao egípcio Anwar El Ibrahimi o pior pesadelo de sua existência. O fato de ser egípcio já o tranforma em suspeito sem direito a defesa.
Para os agentes de Inteligência dos Estados unidos, encabeçados por uma fria , impessoal e insensível Corinne Whitman, a impecável Meryl Streep , em meticulosa composição da implacabilidade, quem senão um árabe, ainda que cidadão americano legitimado pela green card, poderia ser o autor do atentado ? Assim, ao decretar a ordem de seu seqüestro e deportação no aeroporto de Washington, inicia o tortuoso caminho de como se obtém uma confissão por inverossímil que seja, de um cidadão trabalhador, pai de família e avesso a toda espécie de violência.
O agente Douglas Freeman , Jake Gylenhaal em interpretação madura, traduz inicialmente sua cumplicidade e desejo de vingança pela morte de seu parceiro morto, deixando-se permear ora pela crueldade do torturador egípcio, ora por suas próprias dúvidas em relação aos métodos adotados, com o aval de seu Governo.
Do outro lado da África do Norte, em Washington, Isabella Fields El-Ibrahimi , mulher de El- Ibrahimi, (Reese Whiterspoon Oscar por Johnny and June ) cidadã americana, mãe de um garoto que idolatra o pai, se desespera em busca de respostas para o desaparecimento do marido. Com as portas fechadas e justificativas evasivas , inicia sua peregrinação por advogados, políticos na contramão do vitimismo.
Simultaneamente às investigações e aos interrogatórios com cenas de perturbadora violência explícita, desenrola-se a relação amorosa e nem sempre transparente entre um fundamentalista e uma jovem egípcia, não por acaso filha do investigador e torturador . Em atmosfera de suspense permanente , o espectador encontra o desconforto em que se encontra o mundo atual em que não se sabe mais em quem confiar, em que há que se combater qualquer tipo de preconceito e o olhar estreito sobre culturas que tanto diferem dos modelos ocidentais.
Até que ponto a resistência humana à tortura física e mental pode ser garantida? Não há legitimação possível para a sordidez em nome da chamada Segurança Nacional . O filme aborda não somente a questão ética e moral como a abrangência dos sentimentos mais desestabilizadores gerados pelos atentados de onze de setembro.Inesquecíveis , irreversivelmente gravados nas retinas da História.
Um filme envolvente, palpitante em que o que se torna mais chocante é o fato de tratar-se de um roteiro baseado em fatos reais , fatos estes cada vez mais constantes na história política recente do século 21.