O TALENTO INDIVIDUAL CONTRA A MEDIOCRIDADE COLETIVA É O TEMA DE “RATATOUILLE”

A Pixar acertou novamente. O novo desenho animado produzido pelos estúdios de Steve Jobs (e recentemente comprados pela Disney) é um dos melhores já realizados, e tem tudo para agradar a todos os tipos de público, de todas as idades. É interessante notar como a Pixar Animation se supera a cada produção, apoiando-se basicamente em variações sobre o mesmo tema, ou seja, a vitória do talento individual sobre a mediocridade geral e coletiva.
Em “Toy Story”, os brinquedos – que são extremamente inteligentes, criativos e independentes – abrem mão de seus próprios talentos para entrar no jogo limitado dos humanos. É particularmente emocionante a cena que Buzz Lightyear descobre que ele não é, de fato, um astronauta, mas apenas o instrumento de brincadeiras de uma criança. Em “Vida de Inseto”, a formiga Flick é hostilizada pelo formigueiro (nada mais coletivo) porque ninguém entende ou aceita o seu incrível talento individual de inventora. O peixinho Nemo – portador de uma pequena deficiência física em sua nadadeira – é o mote propulsor de toda a aventura porque se recusa a obedecer aos limites impostos por seu assustado pai. Em “Os Incríveis”, toda uma horda de super heróis dos mais talentosos é proibida de exercer seus poderes, para satisfazer à mediocridade geral de uma sociedade desprovida de talentos especiais. Os heróis da Pixar são estes indivíduos especiais e quase sempre solitários que ousam se erguer contra os padrões pré-estabelecidos impostos por uma coletividade ignorante.
E agora, Remy, de “Ratatouille”, é um ratinho francês de extremo bom gosto que não se encaixa na comunidade “comedora de lixo” da qual faz parte. Dotado de olfato e paladar dos mais aguçados, ele é apaixonado por gastronomia, e não consegue entender como sua família se conforma em se alimentar de restos e detritos. Após uma série de confusões, Remy vai parar em Paris, mais precisamente na cozinha do restaurante Gusteau, que já fora em outros tempos o mais badalado da França, mas que no momento passa por um processo de decadência, após a morte de seu proprietário. O cenário está armado. De um lado, um restaurante sofisticado que simbolicamente resiste à mania do fast food, das comidas congeladas e do mau gosto de uma forma geral. Do outro, um personagem extremamente talentoso, mas que jamais poderá esconder a genética de sua origem humilde: a de ser um rato. Seria uma referência aos processos de intolerância contra os imigrantes que a França em particular e a Europa em geral vêm vivendo?
O roteiro a direção de Brad Bird (também roteirista e diretor de “Os Incríveis”) abre um vasto campo de interpretações, sem deixar de lado o ritmo e o humor que um desenho animado deve ter. Ele faz uma ode ao talento, despreza a mesquinhez coletiva, e constrói personagens dos mais “humanos” (mesmo que alguns deles sejam ratos), multifacetados, longe da simplificação fácil do Bem contra o Mal. Aqui, como na vida, os “heróis” também erram, e os “vilões” também têm coração.
Dois pensamentos contidos em “Ratatouille” chamam particularmente a atenção. O primeiro, vindo do personagem Anton Ego, um implacável crítico gastronômico, diz que a pior das porcarias já produzidas num restaurante é superior à melhor das críticas. Certamente muitos críticos de cinema se incomodaram em suas poltronas nesta cena. E a segunda idéia, que permeia quase todo o roteiro, afirma que não é qualquer pessoa que tem talento e genialidade, mas o talento e a genialidade podem vir de qualquer pessoa.
Tudo isso sem falar na parte técnica do desenho animado, que é de derrubar o queixo de qualquer mortal. Texturas, luzes, cores, movimentos, tudo é quase perfeito em “Ratatouille”. E só não dá para dizer que é “perfeito” porque no ano que vem a Pixar Animation apresentará um outro desenho… que certamente será melhor que este, e assim por diante…