O TÍPICO MAU HUMOR FRANCÊS CORRE SOLTO EM “NÃO MINHA FILHA, VOCÊ NÃO IRÁ DANÇAR”.

Já repararam? São vários os filmes franceses que mostram uma família disfuncional que resolve discutir suas relações de neuroses e culpas no aconchego de uma belíssima casa de campo, durante um feriado ou final de semana. “Não Minha Filha, Você Não Irá Dançar” é um deles. A ação não acontece exatamente num feriadão, mas a base é a mesma de muitos outros dramas familiares produzidos na França. É interessante pensar sobre qual seria o papel casa de campo no imaginário da cultura francesa, mas deixemos o assunto para sociólogos ou psicólogos, que conhecem melhor a questão.

“Não Minha Filha, Você Não Irá Dançar” começa mostrando a inquieta Lena (Chiara Mastroianni), esbaforida, junto com seus dois filhos, prestes a embarcar para a casa de seus pais, no interior. Pouco antes do trem partir, Augustine (a expressiva estreante Lou Pasquerault) chama a atenção da mãe para um pássaro quase morto que precisa de cuidados. Lena nega. Anton (Donatien Suner), o filho mais velho, insiste para que a ave seja socorrida e chantageia a mãe: “Em caso de guerra, você deixaria alguém morrer?”. Lena cede e coloca o pássaro ferido em sua bolsa… onde morrerá pouco depois. A cena não é gratuita. Logo no início do filme, o diretor e co-roteirista Christophe Honoré (o mesmo de “Em Paris” e “As Canções de Amor”) sinaliza a ave como uma metáfora da própria incapacidade de Lena de tomar conta do que quer que seja. Emocionalmente instável, ela será o fio condutor deste drama com toques irônicos sobre uma família que fala muito e se comunica pouco.
Já na bela casa de campo dos pais, Lena se encontrará com irmãos, cunhadas e sobrinhos que se encarregarão de tornar sua vida um inferno ainda mais insuportável. Porém, tudo pode piorar ainda mais com a chegada de Nigel (Jean-Marc Barr), o ex-marido que Lena abandonou com a mesma covardia de quem iria deixar um pássaro ferido abandonado numa estação de trem.

Recheado pelo famoso e inesgotável mau humor francês, constante catalisador de diálogos do mais puro e venenoso sarcasmo, o filme não se prende a padrões de narrativas tradicionais, muito menos a fórmulas consagradas de roteiros convencionais. Honoré não hesita em, por exemplo, interromper a história para dar forma cinematográfica a um belíssimo conto narrado por Anton, sobre uma princesa que só se casará com um príncipe que a fizer dançar por 12 horas seguidas. Ou mesmo de permitir idas e vindas supostamente destrambelhadas de seus personagens. O que não chega a ser um problema. Afinal, se a narrativa por vezes parece perdida, vale lembrar que a personagem principal que a conduz também o é.

Só não se deixe enganar: a participação do badalado Louis Garrel (“Os Sonhadores’, “Amantes Constantes”) é bem pequena, embora o trailer do filme tenha sido editado de modo que ele pareça um dos atores principais. Coisas do marketing.