“O TREM DA UTOPIA” UNE O PAÍS CRIADOR DO FASCISMO AO PAÍS QUE MELHOR O REPRESENTA HOJE.

Por Celso Sabadin.

Muito já se falou sobre as inúmeras influências culturais italianas presentes em São Paulo. A culinária, os sotaques, o Juventus da Moóca, o falar alto, os gestos espontâneos… Mais recentemente, outro item passou a incorporar esta longa lista: a fuga do fascismo. Da mesma forma que milhares de italianos abandonaram sua terra natal nos anos de 1920, 30 e 40, fugindo da tirania de Mussolini, a história registra agora o movimento inverso, com brasileiros – filhos e netos de italianos – sonhando em fugir da truculência direitista do nosso atual (des) governo.

Esta é uma das várias facetas ítalo-brasileiras que compõem o caldo cultural do longa “O Trem da Utopia”, documentário que registra, pesquisa e esmiúça diversos pontos em comum entre os dois países.

O fio condutor é Piero Damiani, professor de música, cozinheiro amador, paulistano de pai italiano, um dos 12 milhões de habitantes da capital paulista. É ele quem viaja pelos bairros da cidade e por diversas regiões da Itália costurando entrevistas, coletando depoimentos, conversando com pessoas e nos mostrando ruas, igrejas, restaurantes e paisagens visuais e sonoras tanto de lá como de cá.

Num primeiro momento, admito que achei o documentário confuso. Sua montagem ágil e fragmentada entremeada com citações poéticas em português e em italiano, mais letterings em inglês, embaralharam um pouco minha percepção. Passado este primeiro estranhamento, percebi melhor: é isso mesmo! Brasil e Itália se interpenetram, se confundem, se amalgamam e se tornam uma única nação tanto do lado de lá como do lado de cá do Atlântico, e tal conceito foi otimamente captado pelo filme.

São levantadas questões fascinantes como a dificuldade do italiano em comemorar a data de sua suposta unificação, histórias e identidades apagadas por questões políticas, fascismo (muito fascismo), crenças, sabores, sensações, fugas, migrações, Segunda Guerra Mundial, música…. o cardápio é dos mais extensos.

Buscando o sensorial, sem abandonar o didático, e usando o cultural como liga – a dupla de roteiristas e diretores estreantes  – Beth Sá Freire e Fabrizio Mambro  – compõem um belíssimo painel que merece ser visto de coração aberto não somente por italianos e brasileiros descendentes, como também por todos que se interessem pelos processos históricos que tentam explicar esta nossa confusa contemporaneidade.

Estreia em 12 de maio em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Brasília.