O TRISTE BRASIL RETRÓGRADO DE “PORTO DAS CAIXAS”.

Por Celso Sabadin.

“Do que adianta a gente ser campeão do mundo se a gente não tem feijão?”, pergunta o embriagado manifestante de um comício político em Itaboraí, Rio de Janeiro, no Brasil de 1963. Perto dali, num canto esquecido do mundo chamado Porto das Caixas, uma bela e infeliz mulher (a argentina Irma Alvarez, ótima) tenta encontrar algum sentido em sua vida miserável. Uma fuga, talvez. Mas num país retrógrado e machista, tal sentido só pode se realizar através de um homem. Seja seu intolerante marido (Paulo Padilha), seja o dono da venda que troca mercadorias por sexo (Reginaldo Faria), seja qualquer um. Contudo, nem ela própria sabe a força que tem.

Com argumento de Lucio Cardoso e roteiro e direção de Paulo Cesar Saraceni, “Porto das Caixas” une a vida em ruínas da protagonista às ruínas literais do soturno e decadente vilarejo que dá nome ao filme. Tudo magnificamente fotografado por Mário Carneiro. Ao pungente visual se une a nostálgica trilha sonora de Tom Jobim, com o próprio compositor ao piano. Irma Alvarez assume ares de Anna Magnani neste Brasil em preto e branco, então bicampeão mundial de futebol, cujo cinema se deixava influenciar magistralmente pela beleza da linguagem do Neorrealismo Italiano que tanto encantava as plateias desde 20 anos atrás.

Um grande momento do nosso cinema, em que a situação de miséria dos personagens é tanto financeira como moral. E, pelo visto, eterna.