“ONDE VIVEM OS MONSTROS”: NEM TÃO INFANTIL ASSIM.

Um dos livros infantis de maior sucesso do mercado editorial, desde os anos 60, finalmente é transformado em filme. E pelas mãos de Spike Jonze, o festejado cineasta de “Quero Ser John Malokivch” e “Adaptação”. Trata-se de “Onde Vivem os Monstros”, do premiado escritor Maurice Sendak. A expectativa era grande, mas o resultado é discutível. Motivo: o filme tende a agradar mais aos pais que às crianças. Talvez justamente por causa disso a distribuidora tenha optado por exibi-lo no Brasil apenas em cópias legendadas, numa estratégia no mínimo estranha em se tratando de um filme baseado em livro infantil.

A primeira parte, onde os Monstros ainda não aparecem, é um primor de direção. Sem muitas palavras, com gestos e olhares dos mais expressivos, Jonze contextualiza o garoto Max (Max Records), um menino agitado, ativo, esperto e brincalhão, que se sente “traído” pela irmã, quando ela não o defende numa batalha de bolas de neve. Pode parecer banal, mas a “traição” é um enorme peso no universo infantil de Max. Sua sensação de impotência e solidão piora ainda mais quando ele vê sua mãe (a ótima Catherine Keener) flertando com um homem que provavelmente é candidato a substituto de seu pai. O garoto explode. Tem uma crise de raiva, morde a própria mãe e sai correndo pela rua, onde acaba se perdendo. Vale dizer que quase nada disso está no livro original.

Em sua ira incontida, ele cria para si um novo mundo, uma fuga da realidade que inclui um barco e uma ilha habitada por alguns simpáticos monstrões. E ali que a história propriamente dita tem início, pois os monstros, bagunceiros incontroláveis, precisam de um rei, de um comando. Max finge que é rei; os monstros fingem que acreditam. Neste mundo de fantasia, o garoto tomará contato com seus próprios medos, frustrações e impossibilidades.

Os pais (e as crianças que lerem legendas) mais acostumados à narrativa tradicional dos filmes infantis e/ou familiares provavelmente vão estranhar “Onde Vivem os Monstros”. Como tudo que Jonze dirige, trata-se de um filme fora do convencional, sem as tradicionais mensagens de superação ou redenção. A tal “moral da história”, se existir, é cifrada, sutil, subjetiva ao olhar de cada espectador, num filme repleto de nuances. Por outro lado, este não conformismo, esta não linearidade, poderão agradar aos fãs de um cinema de camadas.

Quem se dispuser a despojar o filme de seu rótulo de “infantil” poderá ter uma bela experiência.