“OPERAÇÃO CAMANDUCAIA” NÃO É SOBRE O PASSADO.

Por Celso Sabadin.

Estreia hoje (04/12) no Canal Curta o ótimo longa “Operação Camanducaia”, que numa primeira mirada pode parecer um documentário sobre uma terrível ação policial acontecida em 1974, na qual mais de 90 crianças e adolescentes nus e famintos, considerados infratores, foram despejados como lixo a abandonados em uma estrada mineira.

Sim, o filme é sobre isso também, mas é muito mais que um resgate histórico/ documental/ jornalístico do fato: trata-se principalmente de uma obra das mais inquietantes que se apoia no passado para revelar nosso triste presente.

Ao tentar descobrir e compreender o que exatamente aconteceu naquela fatídica noite do passado, o documentarista Thiago Resende de Toledo se depara com um horror tão grande quanto ao encontrado por aqui nos tempos de ditadura: o nosso presente. Percebe-se claramente em parte significativa dos entrevistados e depoentes um certo ar de deboche em relação aos jovens abandonados na estrada. Frases como “… mas eles eram encrenqueiros” ou “você está falando dos trombadinhas?” revelam muito da face mais sórdida de uma certa categoria de povo que habita nossa terra. Uma fatia da população que não vê problema algum em “despachar” ou mesmo assassinar algumas pessoas, desde que elas sejam “encrenqueiras”.

O Padre Júlio Lancelotti, também entrevistado no filme, é claro e aberto ao explicitar que boa parte de nossa sociedade é favorável às medidas higienistas típicas dos governos nazistas.  E o ex-governador paulista Laudo Natel, após vangloriar-se de uma foto em que aparece ao lado do ditador Emílio Garrastazu Médici, concede um patético depoimento decorado auto-elogiativo do seu finado governo, sem nenhuma relação com o que lhe foi perguntado.

Tudo isso observando-se o lado humano. Do lado político, também há poucas mudanças. O filme mostra que, na época, apenas peixes pequenos foram responsabilizados pela desastrada ação, e mesmo alguns dos incriminados tiveram penalidades pequenas e logo revogadas. Nada diferente do que acontece hoje.

Assim, “Operação Camanducaia” utiliza-se com precisão da linguagem e do poder do audiovisual para prestar dois enormes serviços às mentes e corações abertos que ainda resistem no Brasil: resgatar um importante caso de flagrante desrespeito os direitos humanos acontecido na época da ditadura militar, e escancarar a precariedade do pensamento humanístico nesta época de ditadura da ignorância.

Além da estreia de hoje, “Operação Camanducaia” será exibido pelo Canal Curta também nos seguintes horários alternativos: 05 de dezembro, sábado, à 02h30; 6 de dezembro, domingo, às 21h15; 07 de dezembro, segunda-feira, às 16h30 e 08 de dezembro, terça-feira, 10h30m.