“OS DESAFINADOS” É UMA DECLARAÇÃO DE AMOR A TODA UMA GERAÇÃO.

Pra quem gosta de efeméride, 2008 é um prato cheio. Já tivemos o documentário “1958 – O Ano que o Mundo Descobriu o Brasil”, comemorando o cinqüentenário da nossa primeira Copa do Mundo de futebol, e agora temos também as comemorações dos 50 anos da Bossa Nova. É neste contexto que “Os Desafinados”, novo filme de Walter Lima Jr., é muito bem-vindo.

Não se trata de um documentário, mas sim de uma obra ficcional, ambientada nos primórdios da Bossa Nova, e repleta de personagens que fazem referências livres e/ou homenagens a personalidades que realmente existiram. A essência do projeto lembra muito “The Wonders – O Sonho Não Acabou”, dirigido por Tom Hanks em 1996, que também homenageia toda uma época contando a história de um grupo fictício de Rock dos anos 60.
Desenvolvido a seis mãos por Elena Soarez, Suzana Macedo e pelo próprio diretor, o roteiro de “Os Desafinados” começa a contar sua história na romântica cidade do Rio de Janeiro, na virada dos anos 50. Uma era ainda sem tropas de elite. É neste contexto que um grupo de amigos forma a (fictícia) banda Rio Bossa Cinco, com o sonho de fazer a América através da Bossa Nova, naquele momento histórico em que, pela primeira vez, o Brasil passava à condição de “exportador” de música. A partir daí, o filme explora os sonhos, desencantos, traições, vitórias e derrotas destes jovens brasileiros vivendo intensamente uma utopia que parecia possível num país que sinalizava com novos ares de liberdade e desenvolvimento. Ninguém sabia, ainda, que os anos de chumbo estavam batendo na porta.

“Os Desafinados” é um filme feito com coração. Praticamente uma catarse dos sentimentos vividos pelo próprio diretor, nascido em Niterói, e que tinha 19 anos quando João Gilberto virou a cabeça do mundo musical com seu banquinho e seu violão. Trata-se de uma declaração de amor a uma época onde as coisas pareciam mais simples e o país dava indícios – só indícios – que iria decolar no cenário musical, social, político, esportivo, cinematográfico e econômico do planeta. Tanto o filme é movido a paixão que o diretor batizou os personagens com nomes de amigos que queria homenagear. Assim, o nome David (Ângelo Paes Leme) homenageia o cineasta David Neves, PC (André Moraes) lembra Paulo César Saraceni, e assim por diante. Uma das referências mais marcantes é a do personagem Joaquim (Rodrigo Santoro), cuja trajetória dentro do filme referencia o seqüestro do músico brasileiro Teófilo Junior, em Buenos Aires, jamais solucionado até hoje.
Fazia mais de 10 anos que Lima Jr., não dirigia para a tela grande, desde o sensível “A Ostra e o Vento”, de 1996. É bom constatar que ele não perdeu a mão. Além de contar com um elenco que é fortíssimo chamariz de bilheteria, “Os Desafinados” tem uma marcante fotografia de Pedro Farkas, reconstituição de época convincente, e uma produção das mais caprichadas, inclusive com locações em Nova York e Buenos Aires. Como não poderia deixar de ser, a música – sob o comando de Wagner Tiso – é um capítulo a parte, misturando grandes sucessos da época da Bossa Nova com novas músicas especialmente compostas para o filme. Sem perder o tom.
Há, porém, escorregadelas que incomodam. Uma delas é um defeito muito constante, por exemplo, nas minisséries históricas globais: um didatismo por vezes infantil, fruto do receio que o grande público não compreenda determinadas passagens. Exemplo: o personagem negro fazendo amor exatamente no instante em que a televisão mostra o histórico discurso de Martin Luther King (“I have a dream…”). Soa forçado. O epílogo também causa estranheza: qual seria, exatamente, a idade daquele jovem personagem que chega no final? Parece que as contas não batem.
De qualquer maneira, “Os Desafinados” tem o grande mérito de tentar fazer uma ponte entre o jovem consumidor de cinema brasileiro (que deverá ser atraído principalmente pelas presenças de Selton Mello e Rodrigo Santoro) e uma época que provavelmente este mesmo jovem desconheça. Cumprindo assim uma das funções primordiais do cinema que é a de informar. Não é pouco para toda uma geração que acha que “Cinema Novo” é a nova sala inaugurada no multiplex no shopping da esquina.