OS DESOLADORES ISOLAMENTOS DE “A BARQUEIRA”.

Por Celso Sabadin.

Tati (Nicole Rivadero) é uma pré-adolescente com todos os problemas típicos de sua idade. E alguns a mais. Diz o material de imprensa do filme que tudo se passa no bairro pobre de Isla Maciel, um subúrbio ribeirinho que – segundo o Google Maps – fica bem próximo ao famoso bairro da Boca, em Buenos Aires. Não conheço Isla Maciel, mas cinema é bom por causa disso: a gente fica conhecendo.

Mas o importante mesmo é o clima de isolamento que o lugar confere ao filme “A Barqueira”, coprodução Brasil-Argentina que estreia em cinemas brasileiros nesta quinta, 20 de maio.
Não se trata apenas do isolamento físico desta localidade, que depende de barcos e barqueiros para se conectar com o “mundo”, mas também – e talvez principalmente – do distanciamento socioeconômico forçado pela pobreza do lugar. Do chamado “abismo social”, que aqui ganha água e profundidade.

É neste panorama de desolação que Tati é obrigada a crescer. Solitária, com um único e hesitante amigo, problemas de relacionamento na escola, e um pai que trabalha justamente como barqueiro, mas sofre de uma depressão que o afasta do trabalho e o atrai fortemente para o sono e o álcool. Tudo é difícil nesta pré-adolescência de Tati. Um mundo cinza ratificado pela própria direção de fotografia do longa.

“A Barqueira” segue a estética dos chamados “filmes de arte”, ou “filmes de festival”: sobriedade, introspecção, boas interpretações, um bem-vindo humanismo autorreflexivo e silencioso que compõe tematicamente com a crítica social estabelecida pela ambientação que envolve a protagonista.

Há pelo menos dois momentos geniais e de intensa emotividade em “A Barqueira”: a cena em que ela tenta dançar no mesmo ritmo e no mesmo compasso de outras garotas – simbolizando imageticamente sua necessidade de adaptação social – e o belíssimo final sobre o qual, evidentemente, me calarei aqui.

O filme marca a estreia no longa metram da roteirista e diretora Sabrina Blanco. No final, destaque para a força feminina: os créditos não grafam “direção”,”produção” ou “montagem”, como é o usual, preferindo destacar “diretora”, “produtoras”, “montadora”, etc., já que se trata de uma obra quase que totalmente realizada por mulheres.
Adorei!