“OS OITO ODIADOS” E A CONSTRUÇÃO TARANTINESCA DA SOCIEDADE NORTE-AMERICANA.

Por Celso Sabadin.

Oitavo filme de Quentin Tarantino, “Os Oito Odiados” (êita sujeito bom de marketing!) pode ser visto como uma metáfora da construção da sociedade norte-americana pós-Guerra Civil. São oito personagens que por diferentes motivos se veem isolados numa estalagem nas montanhas, durante uma forte nevasca, poucos anos após o término do conflito. As feridas da guerra ainda não cicatrizaram – longe disso – e os ódios continuam efervescentes. Durante um período não maior que um único dia, a tal estalagem será o palco das desavenças que explodem entre o Caçador de Recompensas (Samuel L. Jackson), o Carrasco (Kurt Russell), o Confederado (Bruce Dern), o Cowboy (Michael Madsen), o Mexicano (Demián Bichir), o Inglês (Tim Roth), a Prisioneira (Jennifer Jason Leigh) e o Xerife (Walton Goggins). Entre eles, tudo o que há de pior na alma humana: mentiras, traições, os mais variados tipos de crimes, ciladas, desconfianças, traumas de guerra, intolerância, hipocrisia, racismo em pencas, muitas armas, litros de sangue, e violência, muita violência. Ou seja, os pilares do que seria a formação do bélico, agressivo e prepotente povo norte-americano, cujo empreendedorismo é fincado sobe pilhas de cadáveres.

Um filme onde não há heróis, nem vilões, apenas cada um dando o máximo de si para prejudicar o outro e se dar bem na vida. Ou seja, o verdadeiro retrato do capitalismo.

O grande problema de “Os Oito Odiados”, contudo, é o mesmo de quase todos os filmes de Tarantino: muito barulho por pouco. Sempre há muito o que dizer sobre seus filmes. Neste caso, a grandiosidade da utilização da bitola 70mm nas filmagens (cujo resultado não veremos no Brasil, onde este sistema não existe mais), a grandiloquência de suas quase três horas de projeção, as eternas autorreferências cinematográficas, a extrema violência gráfica de suas cenas, a exacerbação do racismo e da misoginia, e até as supostas desavenças entre o diretor e o grande compositor Ennio Morricone. E, novamente, vê-se aquilo que sempre é visto em sua obra: o que se fala sobre os filmes de Tarantino é sempre muito superior ao que os filmes de Tarantino falam. “Os Oito Odiados” não foge à regra: muito capricho na sua concepção formal (e mercadológica), mas pouca profundidade em seu conteúdo.

Ou, em outras palavras, os vários fãs do diretor vão continuar apaixonados por ele após ver “Os Oito Odiados”. E quem não aprecia seu trabalho continuará não apreciando.