“OS PRIMOS”, COMO NOSSOS PAIS.

Por Celso Sabadin.

Quando se fala em Nouvelle Vague, os primeiros nomes que nos vêm à cabeça são François Truffaut e Jean-Luc Godard, sem dúvida os ícones mais midiáticos do movimento. Porém, o longa-metragem considerado como pontapé inicial da Nouvelle Vague foi dado por Claude Chabrol, que lançou o seu “Nas Garras do Vício” em junho de 1958 (premiado três meses depois em Locarno como melhor direção), praticamente um ano antes do triunfo de “Os Incompreendidos”, de Truffaut, no Festival de Cannes.

O segundo longa de Chabrol – “Os Primos” – também foi lançado antes de “Os Incompreendidos”. Precisamente em março de 1959, três meses antes do lançamento comercial parisiense do filme de Truffaut, e dois meses antes do seu colega cineasta/jornalista ter sido aclamado com o melhor diretor em Cannes.

Cronologias históricas a parte, “Os Primos”, além de ser um filme que já traz a base dos elementos estéticos e temáticos que marcariam a trajetória da Nouvelle Vague, continua atual numa eventual revisão contemporânea.

O roteiro do próprio Chabrol, em parceria com o então estreante Paul Gégauff (que mais tarde trabalharia na adaptação de “O Sol Por Testemunha”) coloca em rota de colisão dois primos que haviam sido muito ligados na infância: Charles (Gérard Blain) e Paul (Jean-Claude Brialy), a mesma dupla central de atores de “Nas Garras do Vício”.

O tímido e provinciano Charles sai do interior para passar uma breve temporada no apartamento parisiense do primo Paul. A ideia é estudar muito e prestar os exames para Direito.

Porém, agora crescidos, Charles e Paul tomaram trajetórias diferentes em suas vidas, ainda que mantendo seus laços afetivos. Paul está totalmente engajado na Paris cosmopolita da virada dos anos 1950, com seu apartamento sempre lotado de amigos, e onde não faltam bebidas, música, festas, devaneios intelectuais e a predominância do pensamento niilista. São os jovens adultos do pós Segunda Guerra, a geração do tédio, do ceticismo e da falta de objetivos que seria novamente retratada com muito talento logo a seguir em “A Doce Vida” (1960) e “Bonequinha de Luxo” (1961).

Charles, por outro lado, tenta focar em seu exame de Direito, um curso provavelmente muito mais almejado por sua mãe que propriamente por ele. É a mãe de Charles inclusive (personagem que nunca aparece mas está sempre presente nos diálogos) que só permitiu a ida do filho à capital sob a condição de que ele ficasse no apartamento do querido primo.

Entre os primos gravita Florence (Juliette Mayniel), personagem  que simboliza a hesitação que os caminhos femininos ainda experimentavam naquela aurora dos agitadíssimos anos 1960.

Interessante notar como o desânimo e a falta de perspectivas que marcaram a geração destes primos do pós Guerra podem ser hoje novamente encontrados numa nova safra de adolescentes e jovens adultos que cada vez mais percebem que os tais tempos pós modernos tampouco contemplam suas aspirações.

“Os Primos” ganhou o Urso de Ouro, prêmio máximo do Festival de Berlim.