Os Simpsons: amados amarelos

A imperfeição tem mais atrativos do que a perfeição. Pelo menos , no caso da família mais atrapalhada e famosa do globo terrestre. Assim, sejam quem forem os espectadores da série mais divertida da televisão, será possível até mesmo nos identificarmos com certos aspectos dessas particularidades sem que achemos que nossas famílias são as mais amalucadas do planeta. Afinal, o desejo e a necessidade de aprovação por parte de quem amamos é fenômeno universal, a família sendo o primeiro foco desse desejo e de suas consequentes neuroses.
Deste modo, poderemos até conviver com os defeitos mais ocultos, uma vez que comparados aos aloprados membros da familia Simpsons, todos pareceremos de uma normalidade atroz. Após dezoito temporadas televisivas, 400 episódios e incontáveis prêmios, Os Simpsons chegam ao cinema garantindo ininterrupta diversão. Evidentemente calcada no famoso binômio politicamente incorreto/humor negro.
Como uma metralhadora giratória , as gags e os diálogos de “Os Simpsons – O Filme” provocam reações em cadeia, de uma risada à outra, pela inteligência e a sagacidade de suas referências. Não bastasse a personalidade peculiar de seus componentes, a família amarela ainda achou um meio de inventar um contexto em que nem mesmo Al Gore, representante máximo da reflexão sobre o aquecimento global, fosse poupado. A religião, alicerce poderoso da família e da sociedade tampouco escapou do crivo, uma vez que a frase que acompanha uma cena com a Bíblia, é a de que “neste livro não há respostas”.
O que se pode esperar quando um pai como Homer Simpson se afeiçoa mais a um porco do que a seu próprio filho Bart, este tendo que se sujeitar a disputar o amor do pai com o tal porco promovido a Harry Porco e a Porco Aranha, aludindo a dois dos heróis contemporâneos do público juvenil? Só mesmo Homer poderia acreditar que os excrementos de um porco não seriam capazes de poluir o rio que alimenta a pacata Springfield onde ele continua sendo o Inspetor de Segurança da Usina Nuclear da cidade.
A hecatombe por ele provocada cria uma catástrofe de desastrosas proporções em que a separação da família acaba sendo inevitável, o ódio da população local despertado, e medidas drásticas impostas pelo Governo do presidente Schwarzenegger, este um ser fraco influenciado pelo maléfico e ambicioso Chefe da Agência de Proteção Ambiental fazendo as vezes de uma eminência parda.
Uma redoma de vidro gigantesca isola a cidade obrigando a família Simpsons a fugir, e a se fragmentar. Mas que não se tenha pena desta situação, Homer a provocou e tem que se sacrificar para saná-la e salvar a população de sua própria ruína.
Numa determinada seqüência, a travessia de motocicleta de Homer e Bart pela cidade tem tudo para prender o espectador na poltrona sem piscar os olhos, com direito a um delicioso nú frontal de Bart estatelado numa vidraça sob os olhos esbugalhados e escandalizados da família mais pacata de Springfield.
De patológica distração, Homer não consegue expressar seu amor como qualquer filho necessitaria e qualquer mulher gostaria de experienciar, uma vez que seu objetico é ser bem sucedido sem fazer muito esforço. Neste sentido, o filme também se auto parodia quando no início ouvimos “porque pagar para ver um filme quando se pode assistir de graça na televisão?” A lei do mínimo esforço parece um mote divertido o suficiente para que os espectadores não desistam das filas que se formam a cada sessão de estréia.
Homer, Marge sua dedicada esposa de cabelo azul e penteado superlativo, Bart, perigo ambulante com seu estilingue a tiracolo e as capetices a que tem direito, a carente Lisa excessivamente correta e por isso mesmo jamais ouvida, a futuramente esquisita Maggie a quem esperamos ansiosamente que fale, assim como o taberneiro Moe, e outra dezena de personagens inesquecíveis dão conta de um dos filmes mais saborosos desta safra que inicia o segundo semestre.
Muito além das discussões sobre dublagens e outras modificações na série, sobre o que se disse sobre o Brasil despertando a ira de certos setores, existe uma obra que justificadamente vem levando multidões de todas as idades a se deleitarem com a lúcida ironia que permeia o filme, e algo tão paradoxal quanto ocultar atrás de provocações e pequenas maldadezinhas, uma certa inocência perante a vida.
Neste contexto, não poderia faltar o mais querido dos atores americanos, ícone de correção e integridade, o premiado e bem sucedido Tom Hanks, bom pai, bom marido, quem sabe, o ídolo de Homer Simpson, de preferência se tiver que evitar qualquer esforço maior.
Em tempo: há que se aguardar o final dos créditos em que algumas supresas são reservadas ao público,fazendo-o intuir que uma seqüência estará no mínimo na pauta da Twentieth Century Fox para 2008. E como diz Homer a Bart, se vc acha que este é o pior dia de sua vida, espere, isto é só o começo!