“PAN-CINEMA PERMANENTE”: AFINAL, UM DOCUMENTÁRIO QUE DOCUMENTA.

Confesso. Tinha uma péssima imagem do poeta e escritor performático Waly Salomão. Eu o havia conhecido na cidade de Tiradentes, quando ele foi o mestre de cerimônias de um dos primeiros festivais de cinema de lá, e me deixou duas péssimas impressões. A primeira, quando usou e abusou de sua verborragia infinita e insuportável para apresentar o evento, sobrepondo-se aos próprios filmes. E na segunda, quando agrediu verbal e violentamente os garçons de um restaurante local.

Tal imagem negativa esvaiu-se bastante após assistir ao documentário “Pan-Cinema Permanente”, que Carlos Nader dirigiu sobre a vida e a obra de Waly. O cineasta era amigo pessoal do objeto de seu filme. Ambos, inclusive, estavam há anos produzindo material e captando imagens para este projeto, que acabou sendo interrompido pela morte de Waly, em 2003. Nader ficou solitário na empreitada, e a finalizou com louvor. Em outras palavras, o documentário tinha tudo para ser uma hagiografia, uma verdadeira santificação do cinebiografado. Felizmente não é. Com senso crítico, olho clínico e muita sensibilidade, Nader aborda os inúmeros lados da personalidade multifacetada de Waly. Inclusive a de ser, muitas vezes, insuportavelmente falastrão.

Não poucas vezes o filme salienta que, para Waly, o mundo era um teatro. E era imprescindível estar sempre atuando. Amigos próximos afirmam, no filme, que ele não podia ver uma câmera ligada que logo saía interpretando. Uma cena particularmente divertida fala da revolta de Waly por ter sido filmado dormindo, ou seja, parado, sem atuar. E logo depois revela-se que na verdade ele pediu para ser filmado fingindo que estava dormindo. Teatralidade pouca é bobagem.

Um dos mentores intelectuais do movimento tropicalista, Waly assinou letras de canções interpretadas por Caetano Veloso, Maria Betânia, Gal Costa e Adriana Calcanhoto. Produziu shows e nos anos 90 dirigiu discos de Cássia Eller. Nascido em Jequié, Bahia, em 1943, filho de um sírio muçulmano e uma sertaneja baiana, formou-se em Direito e migrou para o Rio de Janeiro logo após terminar a universidade. Tornou-se poeta rabiscando os versos de seu primeiro livro em uma sela do Carandiru, onde foi preso no começo dos anos 70. Atuou no cinema, vivendo o poeta Gregório de Matos, em filme na diretora Ana Carolina e no início de 2003 assumiu um dos secretariados do ministro Gilberto Gil. Morreu cedo, aos 59 anos.
Parece texto de press-release? Pode ser. Mas a boa notícia é que todas estas – e muitas outras informações – estão, sim, presentes no filme. Maravilhosamente editadas através de um dos mais criativos e burilados trabalhos de montagem vistos recentemente no cinema. “Pan-Cinema Permanente” é o documentário que documenta. Quem nada sabe sobre o poeta, sairá da sala de projeções satisfeito de informações, ao contrário do que acontece com muitos documentários que – apesar do nome do gênero – fazem questão de nada documentar.

Não por acaso, o filme foi escolhido como o melhor documentário brasileiro no 13º É Tudo Verdade, recebeu o prêmio especial do júri e foi eleito o melhor longa-metragem pelo público do CineEsquemaNovo 2008. Também representou o Brasil no VIII Festival Internacional Documental de Barcelona, além das exibições nos festivais do Rio, Vitória da Conquista e Festival Indie, em Minas Gerais.

Até os garçons de Tiradentes devem ter perdoado o poeta.