PARASITA: O CHEIRO AO REDOR.

Por Celso Sabadin.

Em seu ensaio fundamental, “De Caligari a Hitler”, o sociólogo  Sigmund Kracauer pergunta o que os cineastas alemães do período entre guerras já sabiam que todo o resto da população  ainda não sabia. Analisando as produções cinematográficos da chamada República de Weimar (nome pelo qual ficou conhecida a Alemanha entre 1919 e 1933), Kracauer percebe que os filmes daquela época já prenunciavam os horrores do nazismo que se avizinhava. E investiga de que forma o cinema do período trabalhou com tais signos premonitórios.

Traçando um paralelo, chama a atenção a atual safra de filmes que vem provocando várias discussões entre cinéfilos e estudiosos: “Bacurau”, “Coringa”, “Parasita” e – em escala menor “A Odisseia dos Tontos”. Cada um à sua maneira preconiza um tipo de, digamos, “vingança dos excluídos”, um grito de basta, a exemplo do que aconteceu com “Um Dia de Fúria” (Joel Schumacher, 1993), quando plateias do mundo inteiro aplaudiram o protagonista que estourava o teto de um fast food com sua escopeta ao perceber que o sanduíche que lhe serviram não era igual ao da fotografia promocional. Era a sensação de “não aguento mais” expurgada na tela do cinema.

O que tais cineastas estariam preconizando? O crescente número de excluídos e subjugados, em seus respectivos países, estariam se configurando num movimento mundial de resistência? A família dobradora de caixas de pizza que mora sufocada nos porões sul-coreanos poderia fazer uma aliança com os argentinos enganados pelo governo ditatorial e comandar uma potente marcha dos aflitos capitaneada por Lunga e Arthur Fleck? Ou tudo ficará apenas no plano da ficção?

Conjurando a ciclicidade da História, os trabalhadores anônimos encerrados nos porões da opressiva “Metrópolis” da República de Weimar dialogam diretamente com o marido esquecido pela empregada no porão da rica mansão de “Parasita”.  Da mesma forma que o jovem Fredersen, no filme de Fritz Lang, sequer tem conhecimento da existência de uma cidade subterrânea, onde os operários que colocam sua progressista megalópole para funcionar literalmente morrem de tanto trabalhar, os membros da endinheirada família sul coreana também desconhecem a existência do próprio porão de sua casa. Que dirá de um ser vivente lá dentro.

Ou seja, a invisibilidade das classes baixas é elevada – em ambos os filmes – à sua máxima potência: à do total desconhecimento, à da própria inexistência física e – consequentemente – ao do não reconhecimento humano. Afinal, há várias formas de extermínio além das câmaras de gás.

Contudo, assim como os cadáveres insepultos, os excluídos muitas vezes podem ser retirados da visão imediata. Mas eles deixam rastros, deixam cheiros que incomodam as classes dominantes que preferem jamais saber da existência de seus escondidos porões. E se na ficção “O Preço do Amanhã” (Andrew Niccol, 2011) os pobres são reconhecidos pelos ricos porque “eles correm”, em “Parasita” o mesmo acontece porque “eles fedem”. Deixam seus cheiros ao redor de lugares que eles não deveriam estar.

O que estes cineastas já sabem que o resto da população ainda não sabe?