“PATERSON”, A POESIA NOSSA DE CADA DIA.

Por Celso Sabadin.

Nunca fui muito fã de Jim Jarmusch. Sempre achei seus filmes supervalorizados demais. Daí minha surpresa ao me ver mergulhado no universo de “Paterson”. E gostando muito!

Paterson é um motorista de ônibus da cidade de… Paterson. Todo dia ele faz tudo sempre igual, se levanta entre 6:10 e 6:30 da manhã, dá em sua esposa um beijo pontual, e toma cereais em seu café da manhã. Trata-se, obviamente, de um filme sobre as mesmices e mediocridades da rotina cotidiana de todos nós, mas… qual a grande novidade, posto que dezenas de filmes já abordaram o mesmo assunto antes? Talvez a diferença, assim como o diabo, more nos detalhes.  Na ironia de escolher um ator de sobrenome Driver para interpretar um motorista. No letreiro “X-Scape” que aparece na janela do ônibus enquanto ele dirige, sem escapatória, o seu comezinho dia-a-dia. No apito matinal do trem que sempre se ouve mas nunca se vê.

Tudo isso tem seu sabor, mas foram as armadilhas do roteiro – também de Jarmusch – que mais me encantaram em “Paterson”.  Com muita habilidade, o cineasta engatilha durante a trama diversas armadilhas cinematográficas que jamais serão detonadas. Faz o espectador antever fatos que nunca acontecerão, e não hesita em sedimentar toda a estrutura do seu filme precisamente no não-espetacular, no não-disparo, na não-explosão. Como que sinalizando que, de intrinsecamente tão dramática, a rotina cotidiana dispensa outras dramaticidades que não as já inseridas nela própria.

A galeria de coadjuvantes que rodeiam o mundo de Paterson é brilhante. Há um dono de bar que se esforça em provar – através de uma parede de recortes de jornal, que a cidade de Paterson – talvez – tenha alguma importância. Há um ator de coração partido que busca na dor de um amor não correspondido a matéria prima daquilo que mais o satisfaz: interpretar um ator de coração partido.  Há um homem que diariamente leva ao pé da letra a pergunta “tudo bem?’, e diariamente se esmera em listar os motivos pelos quais nunca nada está bem. Há a encantadora esposa de Paterson, eternamente feliz, eternamente sorridente, eternamente de coração entregue ao sonho da sua vida, que pode ser virar uma estrela country, montar uma loja de cupcakes, ou ser mãe de um casal de gêmeos. E há ainda as conversas fragmentadas dos passageiros do ônibus, que Paterson escuta furtivamente aqui e ali, num painel de amenidades surreais que conduzem a solidão de seu trabalho.

E é importante dizer: Paterson – o motorista, não a cidade – também é um poeta. Escreve todos os dias num caderno poesias tão singelas quanto à vida que leva, com o talento de transformar um simples rótulo de caixas de fósforo num vigoroso poema de amor. Talvez seja isto também que Jarmusch faz com seu filme: transformar a simplicidade do dia-a-dia numa singela poesia cinematográfica que cresce e que fascina cada vez que pensamos nela.

Só não entendi porque está escrito “Paterson” na frente de um ônibus que só circula dentro de cidade de Paterson.  Coisas de Jim Jarmusch.