PENSANDO CINEMA: UMA ANÁLISE DE “UM MÉTODO PERIGOSO”.

Com o lançamento do novo filme de David Cronenberg, Cosmópolis, em setembro próximo, podemos pensar seu penúltimo filme, Um Método Perigoso, de 2011, em final de carreira de exibição em salas de cinema no Brasil. Cronenberg vem de uma longa trajetória, desde filmes de terror como A Mosca, A Hora da Zona Morta, Gêmeos, Mórbida Semelhança a filmes provocativos que o alçaram ao patamar dos cineastas importantes e amados por festivais e críticos do mundo todo.

Um Método Perigoso é uma soma de talentos raros para um só filme. Seu produtor, Jeremy Thomas, tem em seu currículo grandes filmes de diretores notáveis: numa carreira com mais de 50 títulos ele produziu muitos filmes para Bertolucci, O Último Imperador, 87, O Céu que nos Protege, 90, O Pequeno Buda, 93, Beleza Roubada, 96, Os Sonhadores,03. Para Cronenberg, Thomas produziu Mistérios e Paixões, 91, baseado no romance do escritor beat William Burroughs, e o filme que alçou Cronenberg ao patamar atual, Crash, Estranhos Prazeres em 1996, baseado no romance de J.C. Ballard, prêmio especial do Juri em Cannes naquele ano. Jeremy Thomas será tema de homenagem no próximo Festival Internacional do Rio.

O roteiro de Um Método Perigoso foi escrito por Christopher Hampton, baseado em peça teatral de sua autoria. Hampton escreveu grandes textos: o roteiro de Nostromo de Joseph Conrad que David Lean não conseguiu filmar pois faleceu na pré produção em 1991. Hampton ficou conhecido por um público maior por sua peça e roteiro de Ligações Perigosas, 88, que lhe deu um Oscar. Também dirigiu filmes como O Agente Secreto, 96, baseado em Conrad. É autor do roteiro de Desejo e Reparação, 07, baseado no romance Reparação do Ian McEwan que passou por aqui recentemente na Flip. Hampton foi hábil em Um Método Perigoso transformando sua peça teatral em roteiro, reelaborando situações e cenas impedindo que o espectador note que o texto original vem do teatro. Evidentemente por se tratar de um filme de ideias, existem longas cenas dialogados mas que ainda assim, não identificam para o espectador médio sua origem teatral.

No elenco de Um Método Perigoso, destaca-se para um público maior, a atriz inglesa Keira Knightley, conhecida por esse público por Piratas do Caribe, 1 e 2, mas também reconhecida pelo público culto por Orgulho e Preconceito,05 e o Desejo e Reparação,07 que foi para o Oscar, além de filmes que só circularam restritamente como Amor Extremo,08, sobre o poeta Dylan Thomas ou o recente Apenas um Noite,10, de uma diretora estreante que passou recentemente em nossas salas de cinema. Do mesmo diretor Joe Wright de Desejo e Reparação, Keira Knightley estará nas telas no início de fevereiro do ano que vem no papel de Anna Karenina, provável filme da leva de filmes do próximo Oscar. Assim nada melhor do que essa atriz para levar Um Método Perigoso para plateias diversas. No elenco masculino, Michael Fassbender como o Dr Jung, centro da história pois se envolve amorosamente com a personagem de Keira Knightley e dialoga com o personagem de Freud numa história de amor no nascimento da psicanálise.

Fassbender é um ator de origem alemã/irlandesa, com muitos filmes em seu currículo (38 filmes) que tem encantado críticos e aos poucos é reconhecido por um publico maior. Foi visto num pequeno papel em Bastados Inglórios,09 de Tarantino, depois em Jane Eyre,11, (belo filme da BBC fotografado pelo nosso Adriano Goldman de Xingu e que trabalhou comigo em O Casamento de Romeu e Julieta) fracasso em salas de cinema e que saiu agora em DVD no Brasil, X-Men, Primeira Classe,11, no alternativo Shame,11 e recentemente em Prometheus, 12, de Ridley Scott. Voltará em novo X-Men e num filme de Scott, The Counselor, ao lado de Brad Pitt. No papel antagonista do Dr Freud, Um Método Perigoso tem Viggo Mortensen, ator super amado por críticos e reconhecido pelo grande público pela trilogia O Senhor dos Anéis, com mais de 50 filmes em seu currículo, que já trabalhou com Cronenberg em outros filmes e que entrou no elenco substituindo o ator inicialmente escolhido, Christoph Waltz, que optou por outro filme, Agua para Elefantes, aqui exibido recentemente. Mortensen pode ser visto num pequeno papel de William Burroughs no Na Estrada, do Walter Salles.

Entretanto, Um Método Perigoso, com tantos talentos, – Cronenberg, o produtor Jeremy Thomas, o escritor Christopher Hampton, e um grande elenco, Keira Knightley, Viggo Mortensen, Michael Fassbender, bem como e o mais importante, um grande tema com uma história forte de amor e paixão – enfim, Um Método Perigoso, é um filme que agradou a alguns mas nem tanto a uma maioria como se esperava pelo conjunto reunido.

O filme começa com a chegada de uma paciente histérica, Sabina Spielrein (Keira Knightley) ao sanatório onde o Dr. Jung (Michael Fassbender) é um dos médicos e ele aplicará a ela no seu tratamento o método psicanalítico que ainda estava experimentando e sobre o qual troca ideias com o Dr Freud (Viggo Mortensen), discordando em alguns pontos e questões. Quando Sabina chega ao sanatório, doente e completamente histérica, há um clima de afastamento do espectador em relação à interpretação da atriz, estranhamento que também ocorre quando ela se recupera rapidamente passando de paciente a assistente de Jung – é um tempo rápido demais na trama da história ainda que tenha decorrido um bom tempo histórico – nesse período Jung teve que se afastar da clinica para prestar serviço militar. Por concisão do roteiro (ou necessidade de cortes na edição do filme) fica aquela sensação de que tudo foi rápido demais no tratamento da paciente. Espectadores e críticos viram a atuação de Keira Knightley exagerada mesmo reconhecendo que pacientes histéricos possam ser como foi apresentado no filme, mas desde logo se antipatizaram com essa atuação afirmando que Keira Knightley é uma má atriz. Com a entrada em cena do Dr. Freud na atuação de Viggo Mortensen, seguramente um grande ator e muito amado pelas plateias cultas, os elogios surgiram (e prêmios em festivais para esse ator), criando desequilíbrios na avaliação das atuações, Keira Knightley ruim, Viggo Mortensen muito bom, e Michael Fassbender, correto como Jung. As longas cenas de trocas de ideias entre Freud e Jung agradaram a alguns e afastaram outros espectadores, em novo desequilíbrio no filme, agora em sua narrativa.

Mesmo assim, o filme resistiu e fez bom público em salas de cinema no Brasil, pouco mais de 200 mil espectadores, o que é muito bom para um filme de arte com temática tão especifica. Profissionais da área, psicanalistas e psicólogos se dividiram em opiniões contraditórias a respeito do filme e, grande parte deles não se interessou pelo filme. A crítica aliviou os desequilíbrios do filme, vendo e revendo o trabalho desse diretor tão amado com presença marcante em Festivais internacionais como Cannes, onde ele esteve com o citado Crash Estranhos Prazeres, 96 e Spider, Desafie Sua Mente em 2002, e com Marcas da Violência em 2005, além de ter também recebido indicações para o Oscar em seus filmes. Seu novo filme, Cosmópolis, passou este ano em Cannes, e Um Método Perigoso, recusado em Cannes em 2011, foi para Veneza circulando em inúmeros festivais, inclusive com uma indicação para o Globo de Ouro. O respeito e consideração internacional para Cronenberg é grande.

Voltando a Um Método Perigoso, eu não creio tanto que a atriz esteja ruim como não creio que Viggo Mortensen seja o que se cultivou tanto no filme. Admiro o trabalho desse atores e atribuo os possíveis desequilíbrios que o filme possa ter diretamente ao único responsável pelo resultado, Cronenberg, que mesmo com toda sua eficiência viu escapar das mãos a atuação de Keira Knightley orientando a atuar como atuou, tanto quanto também escapou de suas mãos Viggo Mortensen que para mim é uma caricatura pobre de Freud, posando todo o tempo fazendo do charuto uma bengala de interpretação. Fica a sensação de que ele está sempre esperando para ser fotografado em sua pose de Freud. Também noto má escolha no elenco secundário: a atriz canadense Sarah Gadon, no papel da esposa de Jung, faz uma personagem importante pois foi quem deu apoio econômico a Jung bem como soube conduzir o casamento frente à traição amorosa dele. Porém em Um Método Perigoso, essa atriz dá uma pálida imagem dessa mulher, seja pela direção de Cronenberg, seja pelo roteiro de Hampton – veja essa mesma personagem em outro filme sobre o tema Jung/Sabina, Jornada da Alma, 2002, filme italiano de Roberto Faenza, com elenco não tão estrelado, mas também interessante, que recomendo ser revisto mesmo não sendo um filme de um autor da grandeza de Cronenberg. Sabina Spielrein é o tema central dessa produção italiana que passou por aqui desapercebida. Uma biografia de Sabina Spielrein, pioneira da psicanálise infantil, acabou de sair no Brasil, biografia que por atraso editorial, para não dizer erro, apareceu no fim da carreira do filme de Cronenberg. Poderia detalhar cenas de Um Método Perigoso em que Cronenberg tem uma direção não eficiente, mas seria técnico demais.

Cronenberg é um grande diretor, mas como qualquer profissional pode algumas vezes não chegar a resultado satisfatório, como acontece com Um Método Perigoso, filme que, com tantos talentos não resultou um talento maior, ou seja, um filme maior. O resultado de um filme é de responsabilidade de seu diretor, o mérito é dele quando acerta bem com como a deficiência é dele quando erra. Mas não é correto pensar um filme apenas como acertos e erros, bom ou mau ou regular. Um filme é soma de muitos fatores, de seus talentos e de sua magia ou alma, algo inquestionável por ser irracional. Mas o irracional é tão presente num filme quanto o racional. E não estou aqui elevando ou diminuindo Cronenberg, um autor importante.

Refletir sobre a direção e a criação de Cronenberg em Um Método Perigoso é pensar o cinema em seu todo e o filme é excelente estímulo para isso. Espero que Cronenberg se supere em Cosmópolis que logo mais poderemos ver. Este filme é baseado em romance de Don DeLillo autor com vários livros em português. Dele, apreciei muito Submundo de 99, uma experiência incrível e A Artista do Corpo, de 2001, uma pequena obra prima por sua sensibilidade – este Cosmópolis, não consegui ler, abandonando-o depois de uma centena de páginas – não sofro mais me obrigando a ler quando o tema ou narrativa ou qualquer outro fator me afastam do livro, e abandono sem culpa a leitura. Este livro me pareceu pretensioso e tolo, e vou esperar pelo filme; separo bem cinema e literatura.