POLONÊS “BODY” FAZ REFERÊNCIA AO BRASIL AO CITAR ESPIRITISMO.

BODY

Por Celso Sabadin

Urso de Prata de melhor direção em Berlim, a ótima produção polonesa “Body” traz aquele estilo cinematográfico bastante característico do cinema artístico europeu (mais marcadamente do leste), onde os longos tempos de silêncio, o despojamento quase total da narrativa e as interpretações intimistas covidam o espectador a um outro tipo de jornada: a viagem pelo que há de mais intimo e profundo na alma humana.

O protagonista aqui é Janusz (Janusz Gajos), um policial do setor de homicídios cujo trabalho é lidar diariamente com os mais diferentes tipos de cadáveres, nas mais diversas situações. Desde que sua esposa morreu, há seis anos, sua relação com a filha Anna (a ótima estreante Justyna Suwala) deteriorou-se completamente, a ponto da garota estar sempre à beira do suicídio. Anna (Maja Ostaszewska), a terapeuta de Olga, acredita poder resolver o problema através do Espiritismo, travando contato com a esposa falecida, método que o cético Janusz não consegue levar a sério.

A questão do corpo, ou principalmente da sua negação, é crucial no relacionamento entre o trio central de personagens. Janusz, por motivos profissionais, desenvolveu uma carapaça antiemocional em relação aos corpos que maneja diariamente em suas questões policiais. Olga, como consequência do trauma da morte da mãe, desenvolveu anorexia, e mantém uma relação negativa de constante conflito com o próprio corpo.  Enquanto isso, Anna dá prioridade total ao espírito. Ela até cita o exemplo do Brasil e seu 20 milhões de adeptos ao Espiritismo. “E os brasileiros não são indiferentes às dores e sofrimentos das pessoas, como nós, poloneses, somos”, afirma Anna em determinada cena.

Dirigido por Malgorzata Szumowska, “Body” honra a tradição de qualidade que o cinema polonês ostentava nos anos 70 e 80, com seus temas densos, interpretações marcantes e estilo circunspecto.  Além de Berlim, o filme também levou quatro prêmios no Polish Film Festival, incluindo Melhor Ator e Melhor Filme do Ano. A cena final é antológica.

“Body” é uma verdadeira aula para o cinema brasileiro engajado no tema da espiritualidade.  Pensado e desenvolvido como obra de cinema, o filme claramente passa suas mensagens e conteúdos espíritas e espiritualistas, mas em nenhum momento deixa em segundo plano a questão cinematográfica. Pelo contrário. Roteiro, direção, estilo, estética, cuidados técnicos, interpretações, tudo nele transpira cinema da melhor qualidade. E o mais importante: ele não se preocupm – como faz a imensa maioria das produções brasileiras do gênero – em catequizar ninguém. Não é paternalistas nem didático. As personagens não recitam suas falas solenemente, como se fossem imperadores romanos dos antigos épicos americanos dos anos 50. Ninguém sai pra cá e pra lá usando roupas que emanam um branco luminoso estilo comercial de sabão em pó só pra dizer que são puros.

Não se trata do tal filme “de nicho”, a ser visto apenas por iniciados. Pelo contrário, é uma obra universal. É arte, e não catecismo, e justamente por isso funciona para plateias adeptas às questões da espiritualidade ou não. Afinal, se Allan Kardec prega que estamos neste mundo para evoluir, o cinema espiritualista brasileiro também está precisando muito desta evolução.