“POR UMA MULHER” EXPÕE A IMBECILIDADE DAS GUERRAS.

Como resistir ao charme dos filmes franceses ambientados na época da Segunda Guerra? Difícil. Mesmo sabendo que, por debaixo dos românticos carros, roupas e histórias de amor dos anos 40, prevalece o horror de milhões de mortes e famílias desfeitas pela bestialidade do conflito. “Por uma Mulher” é uma destas histórias de famílias separadas pela Guerra. E justamente a da diretora e roteirista Diane Kurys, a mesma de “Depois do Amor”.

Imagino que deva ser o sonho de todo cineasta: fazer, um dia, um filme sobre sua própria família.

A história de “Por Uma Mulher” começa nos anos 80, quando Anne (Sylvie Testud, vivendo aqui o alter ego da diretora) se encontra com a irmã Tania (Julie Ferrier) para dividir os pertences da mãe de ambas, recentemente falecida. Algumas fotos e objetos chamam a atenção de Anne, que começa a investigar as origens de sua família. A partir daí, o filme se desenvolve alternando as duas épocas, a da investigação e a do pós-Guerra imediato, mais precisamente em 1947. Esta última certamente a mais interessante.

Vemos que Lèna (Melanie Thierry, de “O Teorema Zero”) e Michel (Benoît Magimel, de “O Ódio”), mãe e pai das garotas, eram judeus ucranianos que se conheceram num campo de concentração nazista e que felizmente conseguiram fugir e se naturalizar franceses. Michel se envolve de corpo e alma no Partido Comunista, enquanto Lèna assume pacificamente as funções de dona de casa. Tudo vai bem até que um fantasma do passado aparece na vida do casal.

Há uma discussão política das mais interessantes: Michel, comunista de carteirinha, consegue abrir uma alfaiataria, prosperar, contratar funcionários e, sem se dar conta, transformar-se ele próprio num burguês que tanto combate. Compra carro e presentes para a esposa. “O homem que tem um empregado não é um patrão, é apenas uma pessoa que quer companhia” diz ele, tentando justificar sua condição de ”chefe” de alguém. Por outro lado, se enfurece e parte para a briga quando lhe dizem que, na Rússia, a atuação violenta e autoritária de Stálin é apenas “a troca de um bigode por outro”. Michel é a própria contradição da sociedade do pós-Guerra, que vive entre a libertação do nazismo e os novos ares dos ventos comunistas que sopram forte em toda a Europa. Uma época onde as mudanças ocorrem mais rápido que a capacidade das pessoas em absorvê-las.

Contudo, o forte de “Por uma Mulher” é mesmo o drama familiar. Pais que se perdem dos filhos para sempre por causa de posições políticas radicais. Dor, perda, a estupidez da guerra transformando para sempre milhões de civis que pouco ou nada tinham a ver com tudo aquilo.
Talvez até pela dor do tema a diretora tenha optado por uma narrativa das mais clássicas e convencionais, sem a necessidade de nenhum tipo de maneirismo ou artificialismo narrativo: o que é dito e mostrado já é pungente o suficiente para emocionar a plateia, que neste momento dispensa, obrigado, qualquer tipo de firula estética mais elaborada.

Ao retratar seu “quintal”, Diane Kurys foi universal. As guerras continuam, bem como as famílias dizimadas. E o fato desta história em particular ter acontecido há décadas, não a torna menos atemporal. Pelo contrário. Basta ler os jornais.