PREPARE SEU CORAÇÃO PARA VER “JAIR RODRIGUES”

Por Celso Sabadin.
Estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 27/04, “Jair Rodrigues – Deixa que Digam”, o mais que bem-vindo registro biográfico cinematográfico documental de um dos grandes astros midiáticos brasileiros dos anos 1960, 70 e 80.
Com direção de Rubens Rewald (que já havia dirigido Jair no ótimo “Super Outro”), o longa mostra a trajetória do artista com extenso material iconográfico, imagens de arquivo que irão emocionar quem viveu aquela época, e fartos depoimentos.
Ainda que dentro do que se espera de um documentário de narrativa clássica, “Jair Rodrigues – Deixa que Digam” levanta questões sintonizadas com as polêmicas contemporâneas, principalmente a respeito da causa negra, e sobre a ditadura militar que assolava o Brasil no momento enfocado.
É interessante como há depoentes que buscam associar Jair à luta racial que chacoalhava as estruturas sociais naqueles efervescentes anos 60 e 70, mesmo que as imagens e os depoimentos do próprio biografado deixem nítido que isto não acontecia. Percebe-se na própria indumentária de Jair o seu posicionamento, digamos, “a la Sidney Poitier”, ou seja, de se encaixar no estereótipo paletó-gravata-cabelos bem aparados do negro bem comportado aceito pelos brancos. E com repertório apoiado basicamente no samba, também território de “validação” que a supremacia branca “concede” aos negros que ela própria admite, desde que ela não se sinta ameaçada.
É irônico o momento em que Jair Rodrigues se orgulha de ter recebido o troféu Roquette Pinto – concedido na época aos melhores do rádio e da TV – certamente sem saber que a personalidade que empresta seu nome à premiação havia sido um célebre defensor das teorias racistas da eugenia. Na verdade, naquela época, tal informação não era de grande conhecimento.
Algo parecido também ocorre na questão política. Por mais que o próprio Jair se declare abertamente apolítico e “não entender nada” do assunto, há depoentes que preferem descontruir as próprias palavras do biografado.
Acaba ficando em segundo plano uma das mais contundentes denúncias do documentário que informa que a gravadora Phillips rescinde um contrato de mais de 30 anos com Jair Rodrigues porque a matriz holandesa ordenou um corte de 40% nas despesas de sua filial brasileira. Não foi um caso isolado. A devastação da música brasileira empreendida pelas gravadoras multinacionais que invadem predatoriamente nosso mercado a partir dos anos 1980 é um tema dos mais importantes que merece uma pesquisa cuidadosa e – por que não? – ou alguns documentários só sobre isso.
Questões mais polêmicas e políticas à parte, só Jair cantando “Disparada”, na íntegra, já vale o filme, uma deliciosa viagem por grandes momentos da nossa música popular, hoje tão combalida.
Quem viveu o momento, não pode perder. quem não viveu, precisa conhecer.