Produção americana assassina Márquez em “O Amor nos Tempos do Cólera”

O crítico paraense de cinema, jornalista e meu amigo Ismaelino Pinto disse certa vez uma frase que guardei fundo na minha memória. Sempre bem-humorado e sarcástico, ele afirmou que “a gente sabe quando um filme brasileiro de época é bom, prestando atenção nas perucas. Se as perucas estão mal-feitas, cuidado com o filme. Tudo vai sair errado.”
Lembrei-me imediatamente desta divertida citação logo na primeira cena de “O Amor nos Tempos do Cólera”. O filme, obviamente, não é brasileiro, mas a frase cabe perfeitamente. Que perucas são aquelas? E a maquiagem de envelhecimento? Parece produção barata do SBT. Como uma produção norte-americana como estas, de orçamento estimado em US$ 45 milhões, pode ser iniciada com uma cena típica de… de… de “A Paixão de Jacobina”?
Resolvi relaxar e dar um desconto. Talvez algo tenha dado errado nesta primeira cena e a partir daí o filme decole. Que engano! Quanto mais a longa (138 minutos) projeção avança, mais se percebe que a peruca era o menor dos problemas. O diretor inglês Mike Newell (de “Quatro Casamentos e um Funeral”) mostra a cada minuto que não tem a mínima intimidade nem com o universo cultural latino americano, muito menos com a obra de Gabriel Gacía Márquez, que só não está bufando em seu túmulo porque ainda não morreu. O que ele deve ter desejado, após ver o filme. Tudo é tristemente caricato, falso, com um elenco onde atores latinos e não latinos nivelados por baixo em interpretações dignas de um novelão mexicano. As falas são solenes, os movimentos teatrais e o timming dos mais sonolentos.
De nada adiantou a produção se deslocar até a Colômbia, terra natal de Márquez, se foram perdidos completamente a magia e o encanto do texto original.
A história, ah, sim, a história: o poeta e telegrafista Florentino Ariza (Javier Bardem, tadinho) apaixona-se fulminantemente, à primeira vista, pela bela Fermina Daza (Giovanna Mezzogiono) e passa a lhe escrever intensas cartas de amor. Mas sob pressão do pai, Fermina acaba se casando o médico aristocrata Juvenal Urbino (Benjamin Bratt), o que provoca em Florentino uma dor de cotovelo de várias décadas. Para se “distrair”, então, ele passa a colecionar casos de amor.
Mais uma vez, o cinema anglo-saxão reduz a pó a riqueza da cultura latino-americana. Um desastre.