“PROIBIDO!” E O NAZISMO NOSSO DE CADA DIA.
Por Celso Sabadin.
Achei meio sem querer na internet um filme do Samuel Fuller que eu não conhecida e que me surpreendeu positivamente. Não tanto pelo filme em si, porque não me surpreenderia gostar de um filme de Fuller, mas principalmente por perceber como uma obra de 1958 pode ainda ser tão atual nos dias de hoje. No caso, infelizmente.
Trata-se de “Proibido!” (“Verbotten!”), com o roteiro do próprio Fuller ambientando a ação no delicado período entre o finalzinho da Segunda Guerra e os primeiros instantes da ocupação estadunidense na Alemanha derrotada.
Já na vinheta de apresentação, com o logotipo da RKO, ouve-se o famoso tema de abertura da 5ª Sinfonia de Beethoven. O filme prossegue mostrando a ação de uma tropa dos EUA na Europa. A sinfonia do alemão Beethoven continua. Logo vemos que o Sargento David Brent (James Best) cai ferido em terras germânicas, onde é socorrido pela alemã Helga (a realmente alemã Susan Cummings, nome artístico de Gerda Susanne Tafel). A princípio, David estranha ter sua vida salva por uma “nazista”, mas Helga se apressa em dizer que nem todo alemão é nazista. E que ela, por exemplo, sempre foi contra Hitler.
Aí temos uma ponte ideológica que nos lembra que os aliados, na época da Guerra, cooptaram o famoso “tchan tchan tchan tchaaaaan” que abre o filme construindo o conceito de que aquelas notas musicais representariam os três pontos e o traço da letra “V” em telegrafia. O “V” da Vitória. Beethoven, assim como Helga, era alemão, mas não representava o nazismo. Então tudo bem abrir o longa com a música de um alemão, mesmo porque o alemão preferido de Hitler não era o Beethoven, mas o Wagner. Que, por sinal, aparece de relance (numa gravura na parede) logo nas primeiras cenas. Não por acaso, várias cenas com nazistas têm como fundo musical “O Crepúsculo dos Deuses”, de Wagner.
(Gente, me deu uma vontade de ler esse trecho com a mesma entonação do Paulo José em “Ilha das Flores”).
Bom, resumindo, Brent e Helga se apaixonam. É aí que começa a parte boa (cheia de spoilers, ok?). Os aliados vencem a guerra e ocupam a Alemanha enquanto David e Helga iniciam o relacionamento. Toda a ação do filme se desenvolve neste contexto. Como é proibida a integração de militares estadunidenses com cidadãos (e cidadãs, claro) alemães, Brent dá baixa no exército para se casar com Helga. Ganha importância então a figura de Franz (Harold Daye), irmão adolescente de Helga, entusiasta do Werwolf, um movimento de resistência radical que tinha como objetivo perpetuar o nazismo, mesmo após a morte de Hitler e a derrota alemã.
Tudo isso sem citar a fascinante e perigosa trajetória dramática da personagem Helga, que fica para uma outra vez.
Eu não conhecida o movimento Werwolf, e talvez nem tivesse dado tanta importância a este filme se eu o tivesse assistido alguns anos atrás. Antes de 2016, por exemplo. Mas “Proibido!” realmente nos faz pensar, ao demonstrar tamanha sintonia com a época atual. Na verdade, ele acaba retratando – talvez inadvertidamente – que o nazifascismo nunca morreu, mas apenas foi temporariamente sufocado. O tal processo de “desnazificação” alardeado pelos aliados, após o final da Guerra, aconteceu de forma precária, mesmo porque havia interesses tanto de estadunidenses como de soviéticos em preservar talentos nazistas que pudessem colaborar com suas pesquisas científicas (corrida espacial, por exemplo). E também muito provavelmente o Tribunal de Nuremberg não agiu com a intensidade necessária para extirpar o mal pela raiz, deixando ramos soltos que – algumas décadas depois – voltariam a florescer.
Ou – outra possibilidade – simplesmente a maldade humana é inextirpálvel sob qualquer circunstância e ponto final.
Enfim, tanta viagem pra dizer que o movimento Werwolf está vivo aqui e agora, tantos anos depois, vestido de verde e amarelo e sob o nome de Anistia, ou Zelensky, ou Donald Trump, ou tantos outros.
Conhecer “Proibido!”, de Samuel Fuller, na madrugada deste 7 de setembro foi realmente muito significativo. Aliás, está sendo.
Dizem que, após ver “Proibido!” (rodado em apenas 10 dias e utilizando bastante material de arquivo), Godard teria dito: “Me deu vontade de parar de escrever sobre filmes e começar a fazê-los”. Dizem.