“PUNHOS DE SANGUE”, QUANDO O CINEMA SUPERA – E ENLOUQUECE – A VIDA.

Por Celso Sabadin.

Admito que não me entusiasmei nem um pouco quando saí de casa para ver “Punhos de Sangue”. Outro filme de Boxe? Haveria ainda mais alguma coisa para abordar neste assunto já tão explorado pelo cinema? Qual não foi minha surpresa ao perceber que, sim, há novos ângulos para este subgênero. Mesmo porque talvez seja simplista demais definir “Punhos de Sangue” como “outro filme de Boxe”: ele é mais que isso.

Ao cinebiografar o peso pesado Chuck Wepner, o roteiro explora o fascinante tema das personagens que todos nós, de uma forma ou de outra, encarnamos durante a vida, deixando-nos influenciar pelo imaginário do cinema. Ou até mesmo agindo segundo ele. É aquela história de imaginar que somos Steve McQueen ao dirigir um carro, ou fantasiar um cowboy indomável mesmo estando no lombo de qualquer pangaré de estância turística.

No caso de Wepner, porém, a situação é bem mais densa. Ele não foi exatamente um grande campeão de Boxe, mas teve seus minutos de fama em março de 1975 ao lutar com o grande Muhammad Ali e, contra todos os prognósticos, permanecer de pé durante os 15 rounds do embate. O feito lhe rendeu uma fama de herói local no bairro de Nova Jersey onde nasceu. O problema de Wepner começa mesmo no lançamento do filme “Rocky, um Lutador”, no ano seguinte. Os amigos começam a lhe dizer que Rocky Balboa, ainda que não haja no filme nenhum crédito a respeito, seria um personagem inspirado em Wepner que, por sua vez, compra a ideia de coração aberto. Ingenuamente, o lutador da vida real não busca nenhuma compensação financeira pela utilização não assumida de sua personalidade nas telas; pelo contrário, passa a se comportar como a persona cinematográfica que ele acredita ser, começa a agir como celebridade, frequentando lugares badalados e gastando um dinheiro que não tem. O mundo imaginário do cinema contamina a vida real de Wepner de forma devastadora.

O bom roteiro original de “Punhos de Sangue” foi escrito a quatro mãos por Michael Cristofer, Jerry Stahl, Jeff Feuerzeig e pelo ator Liev Schreiber, que também coproduz o filme e interpreta o papel principal com seu habitual talento. A direção do canadense Philippe Falardeau é sóbria e segura, amparada por uma  competentíssima direção de arte que reconstitui com muita credibilidade os coloridos anos 70.  Destaque também para a marcante personificação da personagem de Naomi Watts, na época namorada de Schreiber.

Nem é preciso gostar de Boze para apreciar o humano e verdadeiro “Punhos de Sangue”. A estreia é nesta quinta, 25 de maio.